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Brasil precisa de educação política, disse Janine, dias antes de nomeação

O filósofo Renato Janine Ribeiro será empossado o novo ministro da Educação - Gabo Morales/Folhapress
O filósofo Renato Janine Ribeiro será empossado o novo ministro da Educação Imagem: Gabo Morales/Folhapress

Daniel Buarque

Do UOL, em São Paulo

28/03/2015 17h36

Dez dias antes de ser convidado pela presidente Dilma Rousseff para ser o novo ministro da Educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro estava pessimista em relação à democracia no Brasil. Para ele, o país, que tradicionalmente não tem uma consciência democrática muito forte, vive um momento tenso, em que não existe uma liderança política forte, e na qual o debate político estava restrito a uma discussão pobre, superficial e marcada por fortes tons de narcisismo.

“Quando vejo o clima de ódio que se criou no Brasil nos últimos quatro ou cinco anos, acho que é algo extremamente perigoso. Esse clima faz as pessoas simplesmente não escutarem o outro lado. Ninguém quer ouvir argumentos. O contraditório é rotulado imediatamente. Se você não concorda em gênero, número e grau, você é petralha ou coxinha”, disse, em entrevista ao UOL, um dia depois dos protestos contra o governo que tomaram avenidas por todo o país, e mais de uma semana antes de saber que se tornaria parte do governo.

Anunciado na noite de sexta-feira (27) como substituto de Cid Gomes no Ministério da Educação, Renato Janine Ribeiro é professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especializado na análise de temas como o caráter teatral da representação política, a ideia de revolução, a democracia, a república, a cultura política brasileira. É autor de livros como "A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil" e "Folha Explica Democracia".

Na entrevista ao UOL ele já falava um pouco sobre a importância da educação para um aprimoramento da democracia no Brasil, mesmo antes de saber que teria a função de liderar a educação no país. “O grande problema do Brasil é que temos mobilização, atividade política, mas não temos cultura ou educação política”, disse. “Precisamos de educação política, de mais discussão política. Precisamos passar a discutir projetos, e não apenas apontar quem é mais ou menos corrupto”, completou.

Leia abaixo a entrevista completa.

UOL - Em seu livro de 2001 sobre democracia o senhor falava que o PT era o partido do discurso democrático e o PSDB era o partido do discurso republicano. Agora, 15 anos depois, isso ainda é verdade?

Renato Janine Ribeiro - Vejo isso com saudade.

Fernando Henrique Cardoso foi um grande presidente. E Lula também -- os dois fazendo um trabalho em continuidade. O trabalho de inclusão social de Lula chegou a um impasse, um ponto em que é difícil continuar incluindo socialmente mais gente, há problemas econômicos, pois o Brasil perdeu indústria e focou demais em exportação de commodities, o que é um retrocesso do perfil econômico do país.

Nenhum dos grandes partidos do Brasil hoje tem uma proposta para o país. No momento atual, não temos nem lideranças nem propostas. Dentro desse quadro, não temos um horizonte aberto, tanto que tem gente pensando na presidência do PMDB, um partido que há 25 anos não tem nem candidato à Presidência, e que é um partido por definição sem projeto ou proposta para o país. Conseguimos saber um pouco o que é o projeto do PSDB e do PT, mesmo que nenhum deles trate de questões fundamentais, como a questão do transporte e da poluição em escala nacional.

UOL - É preciso criar uma cultura política no país, então?

Renato Janine Ribeiro - Exatamente. O problema é que isso não é fácil.

Quando vejo o clima de ódio que se criou no Brasil nos últimos quatro ou cinco anos, acho que é algo extremamente perigoso. Esse clima faz as pessoas simplesmente não escutarem o outro lado. Ninguém quer ouvir argumentos. O contraditório é rotulado imediatamente. Se você não concorda em gênero, número e grau, você é petralha ou coxinha. O que se tem na rede é mais o narcisismo de que qualquer outra coisa, e isso é preocupante. Tínhamos tudo para estar festejando que as pessoas estão indignadas se manifestando contra a corrupção, mas o que temos é uma situação perigosa. O risco do esvaziamento da política está aí, e não é pouca coisa.

O Brasil vive uma briga entre dois partidos principais que não são tão diferentes assim um do outro. Os dois têm compromisso com o capital, nenhum dos dois tem perfil socialista, os dois são financiados por grandes empresas. Claro que há diferenças, mas o nível de conflito, guerra e ódio, é muito maior de que as diferenças que efetivamente existem entre eles.

UOL - E como podemos sair desta situação?

Renato Janine Ribeiro - Em primeiro lugar, tem que ficar muito claro que a corrupção é intolerável, e que tem que ser investigada até o fim. O PT precisa desgrudar de quem está envolvido em corrupção, deixando que sejam punidos os envolvidos. Se o PT assumir essa postura, ele desafoga um pouco a tensão no país

Precisamos de educação política, de mais discussão política, que cabe em grande parte à imprensa. Precisamos passar a discutir projetos, e não apenas apontar quem é mais ou menos corrupto. Precisamos saber o tipo de sociedade e economia que os políticos querem seguir, em uma discussão isenta.

UOL- O senhor é autor de um livro que tenta explicar a democracia. Quão maior é a dificuldade de explicar a democracia brasileira?

Renato Janine Ribeiro - A democracia brasileira hoje é um regime que paradoxalmente está mais forte nas instituições de que na cultura política. A parte do Congresso, do Poder Executivo, do Judiciário, do Ministério Público, funciona melhor no Brasil hoje de que o empenho dos eleitores em conhecer política e fazer política.

Temos instituições razoáveis - não diria boas - e temos uma consciência política muito precária e fraca. O ponto principal, que é como o povo assume a política, é muito fraco no Brasil hoje.

UOL - Isso é verdade mesmo considerando protestos com centenas de milhares nas ruas do Brasil no último dia 15?

Renato Janine Ribeiro -  Nós temos mobilização política, mas não temos cultura política.

Boa parte dos que foram protestar não tinha a menor noção do que estava fazendo. A consciência política do brasileiro é muito precária.

Um país que reduz praticamente toda a discussão política à questão da honestidade e desonestidade é um país pobre - do ponto de vista da consciência política. Um país que não sabe distinguir as posições políticas.

No Brasil atual, quem convencer o público de que o outro lado é mais corrupto, mais bandido, ganha a parada, mas não quer dizer que seja necessariamente verdade, e não construímos nada para o futuro com isso

UOL - Isso é algo exclusivo do Brasil?

Renato Janine Ribeiro - Acontece em outros países também. Nos últimos anos, houve um empobrecimento da cultura política em países que sempre tiveram isso, como Chile e Argentina na América do Sul, a França na Europa. São países que têm uma cultura política mais pobre de que tinham 30 anos atrás. Isso é fruto direto no neoliberalismo, que foi construindo uma cultura que diminui a importância do político, do coletivo, e traz tudo pro nível individual e econômico, mas só com economia você não consegue fazer política.

O grande problema do Brasil é que temos mobilização, atividade política, mas não temos cultura ou educação política. Há uma grande quantidade de pessoas dispostas a gritar, mas que não formam grupos, não fazem propostas, não pensam sério e muitas vezes nem pensam. Elas preferem agir de forma mais passional do que racional. Isso em política é um desastre.

UOL - Isso é novidade no perfil político do país?

Renato Janine Ribeiro - A falta de cultura política é histórica em nosso país. O problema é que quando você começa a ter uma mobilização política sem consciência política, complica demais.

O problema é agravado pela falta de lideranças políticas do momento atual. Se olharmos os três candidatos que estavam à frente da última disputa eleitoral, Dilma, Aécio e Marina, nenhum deles consegue passar imagem de liderança política. Nem a presidente, nem os opositores formalizam propostas.

UOL - O que a democracia brasileira tem de diferente das outras no resto do mundo?

Renato Janine Ribeiro - A democracia brasileira tem uma característica importante. Nossa sociedade dá muita importância ao afeto, expressado em relação amorosas, de amizade etc. Não foi essa a linha trilhada pelas democracias clássicas - EUA, França, Inglaterra e Alemanha. Enquanto o perfil da democracia nos EUA e na Europa é de uma política muito racional, aqui nós passamos a ter um perfil que abriu espaço para a dimensão afetiva, e o PT foi muito bom nisso, conquistando o afeto popular, afeto democrático.

Diante da exploração do afeto pela ditadura sob a forma de imagens de coração, em personagens como Maluf, que dizia “eu amo São Paulo”, e ACM, que dizia “Salvador com o coração”, a democracia se formou com um afeto mais horizontal, democrático, e isso foi uma contribuição importante do Brasil à política mundial, pois nenhum dos países em que se tinha uma democracia racional, excluindo o povo menos culto das decisões, começa a se ter uma participação mais intensamente popular como no Brasil.

O problema é que esse modelo esbarra no problema de uma participação menos letrada, menos culta, muito movida pelo entretenimento.

Já fui mais otimista em relação à contribuição do Brasil à democracia.

UOL - O senhor acredita que a democracia brasileira está consolidada? Há quem diga que não, mas há quem rebata alegando que este é o período mais democrático da história do Brasil.

Renato Janine Ribeiro - Não está consolidada, não.

Pense na Argentina, por exemplo. Depois que os militares foram mandados embora e começou a democracia, eles foram julgados, mas mesmo assim tentaram várias vezes um novo golpe nos anos 1980. A cada vez que havia uma nova tentativa de golpe, os cidadãos iam para as ruas, em centenas de milhares, protestando e pedindo democracia, ainda que imperfeita. No Brasil não há essa mobilização. Há pessoas que querem fechar partidos políticos. A convicção popular de o que é democracia é muito pobre no Brasil.

Em parte por causa do narcisismo intenso, em parte pela redução da política à questão pseudo-ética, que leva ao debate no qual “quem discorda de mim é ladrão”, então a capacidade de defender a instituição democrática é pobre.

Aos 30 anos da Nova República, é triste ver essa crise na qual não sabemos no que vai dar.