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Cabral recebia mesada, e grupo chamava propina de 'oxigênio', diz MPF

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Agentes da PF foram à casa de Cabral para prendê-lo
Imagem: Kevin David/A7 Press/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio

17/11/2016 11h28

O esquema de propina que envolve o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), preso nesta quinta-feira (17) pela Polícia Federal, movimentou valores pagos por empreiteiras que atuaram na reforma do Maracanã, na construção do Arco Metropolitano, no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal) das favelas e em contrato de terraplanagem do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), segundo as investigações.

Cabral, que exerceu dois mandatos à frente do Executivo, ganhou uma espécie de "mesada", de acordo com o MPF (Ministério Público Federal), entre 2007 e 2014. Nesse período, ele recebeu indevidamente mais de R$ 40 milhões somente das empresas Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia. Executivos das duas empresas fecharam acordo de delação premiada na Operação Lava Jato.

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De acordo com o procurador Lauro Coelho Júnior, o esquema foi operacionalizado da seguinte forma: o Estado favorecia as empreiteiras envolvidas, facilitando a criação de um cartel e fraudando licitações, em troca de pagamentos mensais.

Além da "mesada", segundo o MPF, Cabral ainda ficava com 5% dos valores dos contratos firmados entre governo e empreiteiras. Outro 1% era destinado à Secretaria de Estado de Obras e recebia o nome de "taxa de oxigênio" pelo grupo criminoso. No total, estima a investigação, o desvio de recursos chegou a cerca de R$ 222 milhões.

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Cabral recebeu indevidamente mais de R$ 40 milhões, segundo as investigações
Imagem: Rafael Andrade/Folhapress

Dos R$ 40 milhões recebidos por Cabral da Andrade Gutierrez e da Carioca Engenharia, houve até mesmo um reajuste na passagem do primeiro para o segundo mandato. Entre 2007 e 2010, o ex-chefe do Executivo recebeu, por mês, R$ 350 mil (da Andrade Gutierrez) e R$ 250 mil (da Carioca Engenharia). A partir de 2011, a propina paga pela Carioca Engenharia subiu para R$ 500 mil mensais. As quantias representaram, no total, R$ 7,7 milhões (da Andrade Gutierrez) e R$ 32,5 milhões (da Carioca Engenharia).

"Foram levantadas evidências significativas sobre os pagamentos por meio da quebra de sigilo telefônico e de e-mail. Alguns pagamentos são bastante atuais, ocorreram depois do início da investigação e por isso foi necessária a prisão preventiva", afirmou Coelho Júnior.

UOL entrou em contato com a assessoria de imprensa do ex-governador, que ainda não se pronunciou. A reportagem também ligou para o celular de um advogado de Cabral, mas ninguém atendeu. Foram enviadas mensagens para esse celular assim como e-mails para o advogado, mas nenhuma resposta foi enviada. O UOL continua tentando ouvir a defesa do ex-governador.

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Lavagem de dinheiro

O procurador do MPF Athayde Ribeiro Costa, representante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, revelou ainda que o esquema de propina também se deu a partir de contratos de terraplanagem do Comperj.

Segundo ele, Cabral teria solicitado diretamente aos executivos da Andrade Gutierrez o repasse de 1% sobre o valor de participação da empreiteira no contrato. Depois disso, em reunião no Palácio Guanabara, sede do Executivo fluminense, a empresa teria acertado com o então governador o pagamento de R$ 2 milhões.

Mais repasses indevidos teriam sido feitos em relação ao mesmo contrato durante a gestão Cabral, estima o MPF. No conteúdo de uma planilha obtida pelos investigadores após delação premiada de um dos executivos da Andrade Gutierrez, há uma anotação que aponta pagamento de R$ 2,7 milhões de propina relacionada à obra do Comperj.

O grupo também demonstrava preocupação no sentido de ocultar a origem dos recursos ilícitos, afirmou Athayde Ribeiro Costa, que classificou a ação como crime de lavagem de dinheiro. Durante a gestão Cabral, houve aquisição de bens de alto valor, depósitos fracionados na conta do ex-governador e operações que envolviam dinheiro em espécie. 

Segundo o procurador, foram comprados obras de arte, minibuggies, blindagem de veículos, eletrodomésticos e vestidos de festa para a então primeira-dama, Adriana Ancelmo, além da quitação de parcelas de financiamentos de veículos, tudo com dinheiro em espécie. Parte dos objetos adquiridos com dinheiro de propina foi apreendida pelos agentes da PF. ""Houve lavagem de ativos de forma profissional e crimes seriados", complementou Costa.

Operação Calicute

O ex-governador recebeu voz de prisão em seu apartamento, no Leblon, zona sul. Ele é alvo de dois mandados de prisão, sendo um deles expedido pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância. O outro mandado é do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio, e faz parte da Operação Calicute, um desdobramento da Operação Lava Jato, deflagrada pela PF junto com o MPF (Ministério Público Federal) e a Receita Federal.

Após prestar depoimento, ele deve ser transferido para o complexo penitenciário de Bangu, na zona oeste carioca. O ex-governador é investigado por quatro crimes: corrupção ativa, corrupção passiva, pertencimento a organização criminosa e lavagem de dinheiro.

A mulher de Cabral e ex-primeira dama, Adriana Ancelmo, também foi levada para a Polícia Federal, a fim de cumprir mandado de condução coercitiva (quando a pessoa é encaminhada para prestar esclarecimentos em sede policial). O casal deixou o prédio onde mora sob gritos de "bandido" e "ladrão", por volta das 7h. Os policiais federais usaram spray de pimenta para dispersar um grupo de manifestantes, que se colocou em frente ao carro da PF.

Cabral é o segundo ex-governador do Rio preso em menos 24 horas. Ontem, a PF prendeu Anthony Garotinho (PR) em uma investigação sobre esquema de compra de votos em Campos dos Goytacazes (RJ) comandada pelo Ministério Público Eleitoral.