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MP-RJ investiga sonegação em joalheria ligada a Cabral desde 2011

Fachada do edifício-sede do MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) - Alziro Xavier/MP-RJ
Fachada do edifício-sede do MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) Imagem: Alziro Xavier/MP-RJ

Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio

08/12/2016 06h00

Investigações do MPF (Ministério Público Federal) e da PF (Polícia Federal) revelaram em novembro que a rede de joalherias H.Stern vendeu R$ 1,7 milhão em joias ao ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e sua mulher, Adriana Ancelmo. Autoridades suspeitam que as vendas tenham sido feitas de forma ilegal, pois não geraram notas ficais nem recolhimento de impostos.

Essas suspeitas, entretanto, não são novas. Cinco anos antes de Cabral e Ancelmo serem presos, uma denúncia de sonegação contra a H.Stern foi encaminhada ao MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro). Até hoje, porém, o órgão ainda não concluiu se abrirá um inquérito a respeito do caso.

O MP-RJ é o responsável pelas investigações e acusações judiciais relacionadas aos crimes cometidos no Estado do Rio de Janeiro. A apuração da sonegação de impostos estaduais que deveriam ser recolhidos por joalherias fluminenses cabe, portanto, à instituição. O órgão é independente do MPF, o qual lidera hoje as investigações contra Cabral.

A denúncia de sonegação contra a H.Stern foi confirmada pelo próprio MP estadual. Segundo o órgão, uma notícia crime contra a joalheria chegou aos promotores em 2011. A Coesf (Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal) foi acionada e solicitou que a Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda) fiscalizasse a empresa.

Segundo o próprio MP-RJ, essas ações foram realizadas e constataram divergências entre os valores das vendas informados à Receita estadual e os registros de movimentações financeiras de lojas da H.Stern fornecidos por administradoras de cartões de crédito, o que reforça a suspeita de sonegação. Apesar disso, o MP-RJ não decidiu ainda se levará adiante a investigação.

“O procedimento da Coesf [sobre a H.Stern] seguiu para verificação da procedência das informações, o que pode resultar na abertura de inquérito ou não”, declarou o órgão, que destacou que a investigação não está parada. “A última movimentação [do procedimento] foi realizada em outubro de 2016. A Coesf aguarda as informações solicitadas à Sefaz.”

Em casos de sonegação, o Ministério Público Estadual ou Federal precisam que os órgãos públicos de cobrança de impostos encerrem todos os procedimentos de cobrança administrativo de impostos para que possam ajuizar ações penais contra devedores. Questionados, nem MP-RJ nem a Sefaz informaram as datas das autuações contra a H.Stern, muito menos os valores das multas impostas à rede de joalherias. Segundo a secretaria estadual, informações sobre as autuações e suspeitas de sonegação são protegidas por sigilo fiscal.

A H.Stern foi procurada pelo UOL para comentar as suspeitas de sonegação contra a empresa. Informou que não iria se pronunciar. A rede de joalherias também não tem comentado sua relação com o ex-governador nem as compras que ele e sua mulher realizaram em suas lojas. Segundo a H.Stern, o silêncio se deve-se à sua política de confidencialidade.

Em depoimento à Polícia Federal, contudo, a diretora comercial da H.Stern, Maria Luiza Trotta, confirmou que aliados de Cabral pagavam as compras do político em dinheiro direto na tesouraria da rede. A denúncia do MPF contra Cabral e Adriana Ancelmo diz que notas das compras feitas pelo casal foram emitidas só depois de a polícia pedir esclarecimentos sobre as transações.

H.Stern - Vinicius Konchinski/UOL - Vinicius Konchinski/UOL
H.Stern tem loja a pouco metros do escritório da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo
Imagem: Vinicius Konchinski/UOL
Suspeitas passaram ‘desapercebidas’

Desde a prisão de Cabral e a deflagração da Operação Calicute, que investiga casos de corrupção do ex-governador, a atuação do MP-RJ na investigação de crimes cometidos pelo político virou tema de polêmica. O juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara da Justiça Federal do Rio, registrou no despacho que determinou a prisão preventiva de Cabral que indícios de crimes cometidos por ele e sua mulher “aparentemente passaram desapercebidos pelos órgãos de controle estaduais”. Por isso começaram a ser tratados pela Justiça Federal.

A manifestação do magistrado motivou a divulgação de uma carta aberta do procurador-geral do Estado, Marfan Martins Vieira, em defesa do MP-RJ. Vieira é o presidente do órgão. Foi escolhido para o cargo pelo próprio ex-governador Cabral, ainda em 2013. Mesmo assim, destacou no comunicado que o MP-RJ é independente do governo. “Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro tem combatido, com seriedade, independência e determinação, os ilícitos praticados no âmbito das estruturas estatais de poder”, declarou.

Vieira ressaltou ainda que cabem ao MPF e não ao MP estadual as investigações criminais contra governadores. O órgão estadual só deve abrir ações contra o chefe do Executivo estadual por suspeitas de crime de responsabilidade e quando autorizado pelo Conselho Superior, colegiado composto por dez procuradores e presidido pelo procurador-geral --no caso, Vieira.

Durante as gestões Cabral (de 2007 a 2014), o Conselho Superior do MP-RJ arquivou ao menos três investigações contra Cabral. Os procedimentos visavam a apurar a relação do ex-governador com empreiteiro Fernando Cavendish, dono da Delta, investigar o uso pessoal do helicóptero estadual por Cabral e a relação do então governador com os clientes do escritório da então primeira-dama.

Os arquivamentos viraram motivo de discussões entre candidatos a novo procurador-geral do Estado, segundo a "Folha de S.Paulo". O procurador Cláudio Henrique Viana, que é um dos que disputam o direito de substituir Vieira no cargo, chegou a afirmar num debate com outros candidatos ser contra "investigação do MP-RJ que parece ter sido feita para não incomodar ninguém”.

Na terça-feira, o MPF denunciou Cabral e a Adriana Ancelmo por corrupção, lavagem de dinheiro e participação de organização criminosa. Segundo o MPF, dinheiro de propina recebido de empreiteiras era “legalizado” por meio de contratos firmados por empresas com o escritório de advocacia de Adriana Ancelmo.

O UOL tentou por diversas vezes entrar com contato com os advogados do ex-governador por telefone desde que ele preso. Ninguém atendeu aos telefonemas nem respondeu às mensagens. Procurada por e-mail ao menos duas vezes, a assessoria de imprensa de Cabral também não respondeu. Adriana Ancelmo, presa na terça-feira, não se pronunciou sobre as acusações contra ela.

Brincos e colares de até R$ 600 mil foram apreendidos pela Polícia Federal - Divulgação - Divulgação
Brincos e colares de até R$ 600 mil foram apreendidos pela Polícia Federal
Imagem: Divulgação

Joalheria beneficiada por incentivos fiscais

A H.Stern foi uma das joalherias beneficiadas por incentivos fiscais concedidos pelo governo do Estado ao setor. O programa de incentivos foi instituído em 2008, na gestão Cabral. Um do TCE (Tribunal de Contas do Estado) apontou que só joalherias deixaram de pagar R$ 230 milhões em tributos por conta da iniciativa.

Apesar disso, a sonegação em joalherias do Rio ainda é recorrente, segundo o diretor jurídico do Sinfrerj (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Rio de Janeiro), Ricardo Brand. Três ex-funcionárias da H.Stern ouvidas pelo UOL sob condição de anonimato confirmaram que a comum a venda de joias sem emissão de nota fiscal nas lojas da rede.

As vendedoras disseram que é normal que consumidores simplesmente esqueçam de solicitar a emissão do cupom fiscal de suas compras. Quando esses compradores mais distraídos pagam suas joias em dinheiro ou cheque --o que torna mais difícil o rastreamento da transação--, a joalheria não costuma registrar essa venda para não ter que pagar os impostos sobre ela.

Em alguns casos específicos, clientes especiais da joalheria concordam com a não emissão da nota fiscal. Pessoas que não querem revelar a origem do dinheiro usado para custear suas compras preferem evitar qualquer registro da transação justamente para escapar de possíveis fiscalizações.

A H.Stern também foi procurada pelo UOL para comentar o relato de suas ex-funcionárias. Não quis se pronunciar.