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Janot diz que Temer "ludibriou" brasileiros e pede indenização de R$ 10 mi por dano moral coletivo

O presidente Michel Temer - Dida Sampaio - 20.mai.2017/Estadão Conteúdo
O presidente Michel Temer Imagem: Dida Sampaio - 20.mai.2017/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

26/06/2017 20h52Atualizada em 27/06/2017 15h33

Ao denunciar nesta segunda-feira (26) o presidente Michel Temer (PMDB) pelo crime de corrupção passiva, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que o governante "ludibriou os brasileiros".

Confira a íntegra da denúncia

O termo foi usado por Janot ao justificar o pedido de que Temer e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) sejam condenados pela Justiça a pagar, respectivamente, R$ 10 milhões e R$ 2 milhões a título de "dano moral coletivo".  O Palácio do Planalto informou que não vai se manifestar sobre o teor da denúncia.

Segundo Janot, Temer se valeu do cargo de presidente para receber vantagem indevida de R$ 500 mil, por meio de Loures, oferecida pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS e cuja delação desencadeou a atual investigação contra o peemedebista. De acordo com a denúncia, Temer e Loures ainda "aceitaram a promessa" de vantagem indevida de um valor que poderia chegar a R$ 38 milhões.

“Entre os meses de março e abril de 2017, no Distrito Federal e em São Paulo, com vontade livre e consciente, o Presidente da República, MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA, recebeu para si, em razão de sua função, em comunhão de ações, unidades de desígnios e por intermédio de RODRIGO SANTOS DA ROCHA LOURES, vantagem indevida de cerca R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), ofertada por JOESLEY MENDONÇA BATISTA, proprietário do Grupo J&F, tendo sido a entrega dos valores realizada por RICARDO SAUD, executivo do grupo empresarial”, diz trecho da denúncia.

“O montante espúrio de R$ 500.000,00, recebido por RODRIGO LOURES para MICHEL TEMER, foi viabilizado e repassado, após aceitação, pelo próprio RODRIGO LOURES, com vontade livre e consciente, unidade de desígnios e comunhão de ações com MICHEL TEMER, de uma oferta de valores que poderiam chegar ao patamar de R$ 38 milhões ao longo de aproximadamente 9 (nove) meses, prometido por JOESLEY BATISTA, por intermédio de RICARDO SAUD".

Para o procurador-geral, Temer "ludibriou os cidadãos brasileiros e, sobretudo, os eleitores, que escolheram a sua chapa para o cargo político mais importante do país, confiando mais de 54 milhões de votos nas últimas eleições."

Loures, por sua vez, "violou a dignidade do cargo" de deputado federal, segundo Janot. "A cena do parlamentar correndo pela rua, carregando uma mala cheia de recursos espúrios, é uma afronta ao cidadão e ao cargo público que ocupava. Foi subserviente, valendo-se de seu cargo para servir de executor de práticas espúrias de Michel Temer."

Câmara precisa autorizar processo

Se a denúncia for aceita pelo STF, Temer se torna réu e fica afastado do cargo por 180 dias. Caso o processo não seja julgado nesse prazo, o presidente reassume as funções.

Câmara precisa aprovar denúncia para o presidente ser afastado? Entenda

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Mas, primeiro, é preciso que a Câmara dos Deputados autorize o processo, pelo voto de ao menos 342 dos 513 deputados. O governo calcula ter apoio suficiente para barrar a denúncia na Câmara.

Antes de ser votado em plenário, o caso é analisado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, onde o presidente apresenta sua defesa.

Se autorizado pelos parlamentares, o processo retorna ao STF e caberá aos 11 ministros decidirem se abrem processo contra o presidente, o que o transformaria em réu.

As investigações

Temer é investigado num inquérito que apura suspeitas de corrupção, obstrução da Justiça e organização criminosa. A investigação foi aberta a partir da delação premiada de executivos da JBS.

O presidente foi gravado, sem saber, pelo empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo, durante um encontro fora da agenda oficial em 7 de março no Palácio do Jaburu, residência oficial do presidente.

No diálogo, Temer aparenta indicar o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi também assessor do Planalto, como seu homem de confiança, com quem Joesley poderia tratar de assuntos de interesse da JBS.

Veja a transcrição desse trecho da conversa, feita pela Polícia Federal:

Joesley - O brabo é... enfim, mas vamos lá. Eu queria falar sobre isso. Falar como é que é que... para mim falar contigo qual é a melhor maneira... porque eu vinha falando através do Geddel ... através... eu não vou Ihe incomodar, evidente, se não for algo assim...
Temer - [ininteligível]
Joesley - Eu sei disso, por isso é que...
Temer - [ininteligível]
Joesley – É o Rodrigo?
Temer - É o Rodrigo.
Joesley - Então ótimo.
Temer - [...] vou passar para o Meirelles [...] da minha mais estrita confiança [...]
Joesley - Eu prefiro combinar assim, se for alguma coisa que eu precisar... tal... taI... eu falo com o Rodrigo. Se for algum assunto desse tipo ai [...]

Seis dias depois, Joesley se encontrou com Rodrigo Loures e, segundo a Polícia Federal, ambos fizeram menção ao aval de Temer para as tratativas entre eles.

Veja a transcrição da Polícia Federal:

Loures -  Ele queria acho que falar com você, que eu vi num é, que ele, da outra vez, ele perguntou naquele dia, mas ele te disse o que que era, eu disse ô presidente, nem disse, nem eu perguntei. Sendo assim, diga a ele que se ele quiser falar, pode falar com você.
Joesley - Isso.
Loures -  Ele só vai falar, se ele quiser falar, então tem que deixar o homem à vontade.
Joesley - Agora tá autorizado, que ele autorizou, pronto.

No segundo encontro entre Joesley e Loures, no dia 16 de março, o empresário expõe seu interesse na resolução pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de uma disputa comercial entre uma usina termelétrica do grupo e a Petrobras, na compra de gás da Bolívia.

Na ocasião, Joesley chega a citar a possibilidade de pagamento de 5% do lucro obtido na operação caso a usina do grupo fosse beneficiada.

Na sequência, no dia 24 de abril, Loures se encontra com o diretor de relações institucionais da J&F, grupo que controla a JBS, Ricardo Saud, também delator. Nessa conversa, Saud oferece a Loures, em troca da resolução do problema no Cade, pagamento de propina que poderia chegar a R$ 1 milhão por semana, segundo conclui a Polícia Federal.

Dali a quatro dias, em 28 de abril, Loures seria flagrado numa operação da Polícia Federal recebendo R$ 500 mil em dinheiro, dentro de uma mala entregue por Saud, em uma pizzaria de São Paulo.

A suspeita da Procuradoria é de que o dinheiro se refere a propina para que o governo atendesse interesses empresariais de Joesley.

Ouça a íntegra da conversa entre Temer e Joesley

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O que dizem as defesas

O presidente Temer tem afirmado não ter cometido qualquer irregularidade e classificou como "fraudulenta" a gravação apresentada por Joesley.

Os advogados do presidente contrataram uma perícia independente que apontou possíveis pontos de edição no áudio.

A defesa de Rocha Loures tem recorrido ao STF para pedir a liberdade do ex-deputado, preso preventivamente desde o último dia 3, e afirmou que “a mala de dinheiro, segundo afirmam, decorreu de armação de Joesley Batista”, disse o advogado Cezar Bitencourt, em nota divulgada na última quarta-feira (21).

Nesta segunda-feira (26), em cerimônia no Palácio do Planalto, Temer afirmou que nada o "destruirá" ao citar medidas econômicas propostas por seu governo.

"Não há plano B, há que se seguir adiante. Portanto, nada nos destruirá. Nem a mim nem a nossos ministros", afirmou.

O discurso de garantia da estabilidade econômica tem sido usado por aliados do presidente para defender que a Câmara barre eventual denúncia contra ele.