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O que a ONU pode fazer por Lula contra Moro nos processos da Lava Jato?

Defesa diz que Lula é vítima de abuso de poder por parte da Justiça brasileira - 7.out.2017 - Mateus Bonomi/Folhapress
Defesa diz que Lula é vítima de abuso de poder por parte da Justiça brasileira Imagem: 7.out.2017 - Mateus Bonomi/Folhapress

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

16/10/2017 04h00

Há um ano, o Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) acolheu uma petição da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre violações que teriam sido cometidas contra o político pelo juiz Sergio Moro, que julga processos ligados à Operação Lava Jato na primeira instância, na Justiça Federal no Paraná. Desde então, os advogados de Lula e o governo brasileiro prestam esclarecimentos ao comitê, que, com base nas respostas, ainda irá avaliar se deve examinar a questão.

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Mas na avaliação de especialistas em direito internacional consultados pelo UOL, ainda que a ONU efetivamente discuta o tema e dê um parecer favorável a Lula, a decisão não terá nenhum efeito penal nas ações em que ele é réu.

“O efeito prático seria político, um subsídio para ele usar nos processos no Brasil”, explica o advogado José Nantala Badue Freire, para quem uma análise do comitê positiva a Lula serviria ao ex-presidente para sustentar a tese de um julgamento político e parcial.

O advogado Mário de Barros Duarte Garcia pontua que a petição “é uma mera reclamação de que o Estado estaria violando o direito [de Lula] ter um julgamento imparcial”. “O comitê não tem uma função de fazer um julgamento efetivo, mas um exame do que foi relatado”, complementa.

Professora de Direito Internacional da USP (Universidade de São Paulo), Maristela Basso observa que a ida à ONU pode não só ter pouco efeito prático como ainda se virar contra o próprio presidente. "Ir à ONU pedir um parecer não acrescenta nada”, diz ela. “É uma péssima estratégia. Pode vir um resultado favorável [à Justiça brasileira]”.

José Nantala Badue Freite concorda com a colega: "Pode ser um tiro no pé”. “[Mas] é uma estratégia razoável de se imaginar para alguém com condenação e outros processos”, avalia.

Lula já foi condenado por Moro a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um processo que envolve um apartamento tríplex como pagamento de vantagem indevida.

Neste momento, o ex-presidente observa os últimos movimentos dos defensores antes de Moro proferir uma nova sentença, dessa vez em uma ação envolvendo um esquema entre a empreiteira Odebrecht e a Petrobras.

Lula ainda responde a um terceiro processo, a respeito de um sítio no interior de São Paulo, que seria pagamento por corrupção na Petrobras. Esta ação penal ainda está em sua fase inicial, com as partes apresentando a defesa prévia.

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A petição

A defesa de Lula foi à ONU em julho do ano passado, apresentando uma petição ao comitê. No documento, os advogados dizem que o ex-presidente “é vítima de abuso de poder por um juiz, com a cumplicidade de procuradores que o atendem e atuam lado a lado com os meios de comunicação”. “Esses abusos não podem ser satisfatoriamente corrigidos na legislação brasileira”, acreditam os advogados do petista.

Na época em que a carta foi feita, a principal reclamação dos defensores vinha da condução coercitiva de Lula, quando ele foi obrigado a prestar depoimento, em 4 de março de 2016. Os advogados pontuaram que a condução só poderia ser realizada caso “o acusado tenha explicitamente se recusado a depor anteriormente”.

A defesa diz que Lula nunca se negou a prestar esclarecimentos à Justiça, o que mostraria ser desnecessária a condução. “Fica bastante claro para um observador sensato dessas ações que o juiz Moro criou uma animosidade contra Lula e tem uma opinião formada sobre sua culpabilidade”, disseram os defensores em julho do ano passado.

Com 18 membros, o comitê da ONU reúne-se três vezes por ano. Atualmente, o comitê pede que as partes envolvidas deem seus argumentos a favor ou contra a petição. Na última reunião do ano passado, em outubro, houve o pedido para que o governo brasileiro respondesse às acusações da defesa do ex-presidente.

Um documento, feito de maneira conjunta por AGU (Advocacia-Geral da União), PGR (Procuradoria Geral da República) e Itamaraty, foi apresentado no final de janeiro de 2017. O governo, porém, optou por não dar publicidade ao documento em que contestou a queixa de Lula.

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Tríplex e filme

Em maio de 2017, a defesa de Lula fez acréscimos a sua petição com base na resposta do Estado brasileiro. Agora em outubro, mais uma vez a equipe do ex-presidente fez adendos a sua reclamação. Desta vez, incluiu a sentença do processo do tríplex, que, na visão dos defensores, contém “violações grosseiras de Direitos Humanos”.

Também há uma reclamação sobre a presença de Moro na pré-estreia do filme “Polícia Federal: A Lei É Para Todos”, em agosto. A produção “apresenta o ex-presidente Lula como culpado sem que exista qualquer decisão definitiva contra ele”, avalia a defesa. O governo brasileiro ainda irá se manifestar ao comitê a respeito das informações dos defensores do petista.

Ao UOL, a ONU disse que o caso de Lula não está na agenda do comitê para este ano, que inicia sua última reunião de 2017 nesta segunda-feira (16). A expectativa é que uma avaliação sobre a petição do ex-presidente seja feita apenas no ano que vem, quando o comitê deve dizer se entende que deve analisar a situação. Não há, porém, uma definição sobre quando isso ocorrerá. A questão também não aparece na agenda da primeira reunião do comitê em 2018, marcada para março.

Caso o comitê concorde com as reclamações da defesa de Lula, a ONU pode apresentar um parecer final, com recomendações para melhorar políticas internas no país, explica Nantala. “É diferente da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, avalia o advogado, que vê esse como o caminho certo que a defesa de Lula deveria percorrer caso decida recorrer fora do país.

“[A Corte] elabora uma sentença, condenando o país membro a tomar algumas medidas para que os direitos humanos sejam respeitados”. Mas isso só aconteceria após os processos terem chegado à última instância no Brasil, explica Nantala.

Por esses motivos, Garcia acha difícil que a ONU intervenha. “O Brasil ainda é considerado um país democrático, com regras conhecidas”.

A reportagem procurou a advogada Valeska Teixeira Martins, que defende o ex-presidente. Por meio de sua assessoria, ele solicitou que as perguntas fossem feitas por e-mail. Não houve retorno até a quarta-feira (11).

Em nota divulgada no começo do mês, Valeska disse que “a sentença proferida pelo Moro como juiz da primeira instância equivale a uma profecia que se cumpre pelo Moro juiz da investigação”, comentou. “Juntamos a sentença [à petição] para atualizar estas violações ocorridas desde maio de 2017, quando protocolamos a réplica”.

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