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Incinerado ou em vala rasa: a morte do pai de presidente da OAB pelo Estado

Fernando Santa Cruz, morto na ditadura - CEPE/Divulgação
Fernando Santa Cruz, morto na ditadura Imagem: CEPE/Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

30/07/2019 18h24Atualizada em 30/07/2019 18h36

Era sábado de Carnaval e o Rio fervia em plena ditadura militar quando o recifense Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira foi visto pela última vez por sua família. Militante de esquerda, ele estava na casa do irmão, o advogado Marcelo de Santa Cruz Oliveira, quando saiu ao encontro de um amigo de infância, Eduardo Collier Filho. Era 23 de fevereiro de 1974.

Sabe-se hoje que os dois foram mortos por agentes do Estado, mas os corpos nunca foram encontrados. Há duas versões sobre o destino deles: ou tiveram corpos enterrados como indigentes ou tiveram os corpos incinerados. Após 45 anos do desaparecimento, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse ontem que poderia contar como morreu o pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

O alerta de que estava sendo monitorado pelos militares e poderia ser preso foi dado pelo próprio Fernando, que avisara à família naquele dia: se não retornasse até as 18h, estaria preso.

Deu horário, e a família começou uma busca que nunca se encerrou. Fernando não voltou, e familiares decidiram ir então até o apartamento de Eduardo, em Copacabana, e tiveram a informação de que militares tinham passado pelo local e apreendido livros. A operação foi realizada pelo Comando de Inteligência da Aeronáutica, mas até hoje não se sabe detalhes de como ocorreu a prisão e qual o destino.

Fernando era estudante universitário de direito e funcionário público. Integrava os grupos Ação Popular e Ação Popular Marxista Leninista, que lutavam contra a ditadura.
Desde o desaparecimento, sempre que questionado, o governo militar negou a prisão deles, classificados como foragidos. No ano seguinte ao desaparecimento, o Departamento de Polícia Federal informou que nenhum deles teve passagem pela prisão.

Em abril de 1980, após vários questionamentos da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), o SNI (Serviço Nacional de Informações) informou em relatório oficial que não havia relatos da prisão de Fernando e Eduardo e que o governo desconhecia o paradeiro de ambos.

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Mortos pelo Estado

A CNV (Comissão Nacional da Verdade) apurou o caso e apontou que Fernando e Eduardo foram torturados e mortos por forças do Estado. Recomendou-se a expedição da certidão do óbito de Fernando. Em 24 de julho deste ano, há seis dias, a Comissão de Mortos e Desaparecidos emitiu atestado de óbito informando que Fernando foi morto de forma "violenta", pelo Estado brasileiro durante a ditadura.

Segundo o site ligado ao Instituto Herzog, há duas hipóteses levantadas do paradeiro dos dois. A primeira seria que eles teriam sido levados do Rio de Janeiro ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna) do 2º Exército, em São Paulo.

"Os familiares chegaram a receber de um funcionário chamado Marechal a informação de que os militantes estavam presos naquele órgão. A suspeita é reforçada pela reação do mesmo funcionário que, ao tomar conhecimento dos nomes dos dois militantes procurados, acrescentou o sobrenome 'Oliveira' ao nome de Fernando, sem que a família o tivesse mencionado", diz a pesquisa, citando que eles teriam sido mortos e sepultados como indigentes no Cemitério Dom Bosco, em Perus.

A outra hipótese é que eles tenham sido levados para a Casa da Morte, em Petrópolis (RJ). Após serem assassinados, seus corpos teriam sido levados para incineração em uma usina de açúcar. Esta hipótese é embasada, sobretudo, no depoimento prestado pelo ex-delegado do DOPS no Espírito Santo, Claudio Guerra, que afirmou que os corpos dos dois militantes teriam sido incinerados na Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes (RJ).

Outro depoimento reforça a hipótese. "Em depoimento prestado à CNV, um agente chegou a reconhecer formalmente uma foto de Fernando de Santa Cruz e apontá-lo como uma das vítimas que teria recolhido na Casa da Morte para transportar para a usina.

Para a presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugenia Gonzaga, a versão de enterro no cemitério Dom Bosco é a mais aceita.
"A gente acredita mais na primeira, que diz que ele está enterrado na vala de Perus. Não que seja certo, mas nesse rol de pessoas que desapareceu, como ele, no Rio, eram levados de um lugar para outro para serem interrogados. No ano passado uma ossada foi achada em uma vala rasa lá, e os exames de DNA apontaram que se tratava de uma pessoa desaparecida", diz.

Sobre a versão de incineração, ela diz que foi uma "informação de pessoa de porão, e que faz contra informação".

Gonzaga afirma que chegaram a ser feitas apurações sobre essa versão, sem sucesso. "Foram feitas diligências lá, não tem outros documentos que corroborem. Pode ter acontecido, mas como eles sabiam? Quem fazia esse trabalho subalterno não tinha conhecimento de quem era, todo mundo era tratado por apelidos. Mas não significa que não tenha ocorrido", afirma.