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Ao atacar isolamento, Bolsonaro se vê sozinho: "Atiram em uma pessoa só"

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

30/03/2020 10h02Atualizada em 30/03/2020 20h12

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reconheceu hoje o desgaste que tem acumulado ao atacar o isolamento social, medida necessária ao enfrentamento do coronavírus, e defender a retomada das atividades comerciais no país.

"Atiram em uma pessoa só. O alvo sou eu. Se o Bolsonaro sair e entrar o Haddad ou outro qualquer, está resolvido o problema", disse ele, em referência ao petista Fernando Haddad, derrotado na eleição presidencial de 2018.

A tese negacionista do mandatário vai na contramão do que afirmam as autoridades de saúde em todo o planeta. Também contrariam as recomendações do Ministério da Saúde de seu próprio governo. Mesmo assim, cada vez mais isolado, Bolsonaro continua sustentando que a reclusão social é danosa à economia e pode levar a desemprego em massa.

Hoje, ao deixar o Palácio da Alvorada, o presidente sinalizou que está ciente de seu isolamento no cenário político. Na esteira da crise do coronavírus, ele já comprou briga com estados e municípios e perdeu aliados, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM).

Além disso, o chefe do Executivo federal não tem respaldo dos líderes no Congresso e é criticado por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Sua esmaecida base de apoio é hoje formada pelos filhos, correligionários e seguidores nas redes sociais.

Até mesmo o presidente americano Donald Trump, uma das inspirações de Bolsonaro, já recuou em relação à postura negacionista frente ao coronavírus. Ele anunciou a prorrogação das medidas de distanciamento social até 30 de abril e afirmou que o pico de mortes nos Estados Unidos, país considerado o atual epicentro da pandemia do coronavírus, provavelmente será alcançado em duas semanas.

Até pouco tempo, Trump tinha uma posição semelhante a Bolsonaro e chegou a ironizar a pandemia rotulando-a como "China Vírus", em referência ao país asiático, local das primeiras contaminações.

Parece que o problema é o presidente. É que o presidente tem responsabilidade e tem que decidir. Não é apenas a questão de vida. É a questão da economia também. É a questão do emprego.
Jair Bolsonaro

'Pânico é uma doença', diz presidente

O presidente brasileiro também declarou que, em sua opinião, o isolamento social e o fechamento do comércio podem levar a casos de suicídio, depressão e mortes por "questões psiquiátricas".

"Se o emprego continuar sendo destruído da forma como está sendo, outras [mortes] virão e por outros motivos. Depressão, suicídio, questões psiquiátricas."

No entanto, ele não apresentou dados que fundamentassem as suas declarações. Limitou-se a afirmar que "o pânico é uma doença e está levando o pessoal ao estresse. Mortes virão".

O argumento de Bolsonaro é que, com a economia paralisada, haverá demissão em massa e, consequentemente, os brasileiros não conseguirão colocar "um prato de comida" em casa.

"O pai que chega ou está em casa, o filho pede um prato de comida e não tem. Ele, que tem vergonha na cara, começa a se julgar responsável pelo que está acontecendo. E vai à luta. Até um animal vai à luta para trazer o sustento para os seus filhos. O ser humano não é diferente."

A reclusão social, segundo as ideias do mandatário, tem que ser restrita aos chamados grupos de risco (idosos e pessoas com complicações preexistentes). É o que ele chama de "isolamento vertical".

Passeio pelo DF

Bolsonaro demonstrou ter ficado irritado com as críticas feitas a ele pelo "tour" de ontem em Brasília e cidades satélites do Distrito Federal. "Não fui passear, não", disse hoje ao deixar o Palácio da Alvorada.

Em pleno domingo (29), o mandatário saiu de casa para "falar com o povo", segundo o próprio, e passou pelas regiões de Ceilândia, Taguatinga e Sobradinho. Nesses locais, conversou com comerciantes e trabalhadores informais. Também visitou postos de gasolina, farmácias e supermercados no Plano Piloto.

A atitude vai na contramão das recomendações das autoridades de saúde e tem sido encarada nos bastidores como tática de esvaziamento do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), que tem opiniões contrárias às do chefe.

Enquanto Mandetta tem pedido para a população ficar em casa e reforçado a necessidade de isolamento —em consonância com as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) —, o presidente tem se manifestado pela reabertura do comércio no país e retomada da rotina em estados e municípios.

Após o tour de ontem, Bolsonaro foi criticado por várias autoridades e também por articulistas e analistas políticos. Hoje, ele não escondeu a insatisfação.

"Fui ontem a Ceilândia e Taguatinga. Folha de São Paulo: não fui passear, não. Uma imprensa que não tem caráter não podia agir de outra maneira. Não fui passear, não. Fui ver o povo."

Bolsonaro fez ainda uma provocação aos jornalistas que o aguardavam na portaria do Palácio da Alvorada. "Vocês estão todos amontoados aqui também. Vocês estão aqui porque precisam trabalhar? Sim. Para levar a informação. A imprensa sadia para levar informação. Mas também, se não puder trabalhar, vocês não vão ter salário."