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Queda da Lei de Segurança Nacional não encerra ações contra bolsonaristas

O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson - Valter Campanato/Agência Brasil
O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

20/08/2021 04h00Atualizada em 20/08/2021 09h50

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) terá que decidir, nos próximos dias, se mantém ou veta a decisão do Senado que derrubou a Lei de Segurança Nacional. Elaborada durante a ditadura militar, em 1983, a legislação tem sido usada para investigar e processar apoiadores de Bolsonaro suspeitos de atentar contra a democracia.

Se o presidente concordar com a queda da LSN, deverão ser extintos todos os procedimentos abertos na Justiça baseados exclusivamente nela. Especialistas ouvidos pelo UOL, no entanto, avaliam que isso não deverá encerrar os processos e inquéritos em andamento contra o presidente e seus aliados. O motivo: estes casos estão ancorados na lei que pode ser extinta, mas não apenas nela.

"Ações penais que tiverem sido abertas apenas com base nessa lei deverão ser encerradas. Mas isso vale só para o crime que foi abolido. Os processos devem continuar em relação aos outros crimes", explica João Bernardo Kappen, advogado criminal e membro da Comissão de Processo Penal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio de Janeiro.

Bolsonaro não é réu em nenhum processo com base na LSN. No dia 4 de agosto, porém, o presidente foi incluído pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no rol de investigados no inquérito das fake news, que corre na Corte desde 2019. Segundo Moraes, a live em que Bolsonaro fez ataques sem provas ao sistema eleitoral pode configurar três crimes estabelecidos na LSN.

Mas a mesma conduta, segundo Moraes, também pode caracterizar outros sete crimes: calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa. A investigação, portanto, pode ser modificada, mas não deverá ser interrompida.

"Se houve ataques não só a instituições, mas também a pessoas, o enquadramento pode ficar não apenas nos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, mas também em outros, listados no Código Penal", avalia o advogado Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da USP (Universidade de São Paulo).

A eventual queda da LSN também deve impactar o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), atualmente com o mandato suspenso. Desde o final de abril, ele é réu no STF por uma acusação que inclui dois crimes descritos na LSN: incitar a animosidade entre as Forças Armadas e as instituições (art. 23. II) e incitar o enfrentamento ao livre exercício dos Poderes (art. 23, IV, combinado com art. 18).

A denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), no entanto, também enquadra Silveira no crime de coação no curso do processo. A conduta, prevista no art. 344 do Código Penal, consiste em "usar de violência ou grave ameaça" contra autoridades ou terceiros envolvidos em procedimentos na Justiça. Silveira chegou a ser preso duas vezes por conta de um vídeo com ataques a membros do Supremo.

Nova lei

Ao mesmo tempo em que aboliu a Lei de Segurança Nacional, o Senado previu a criação de uma nova legislação, que prevê crimes contra o Estado Democrático de Direito. Caso sejam aprovadas por Bolsonaro, estas condutas serão incluídas no Código Penal. Segundo especialistas, alguns crimes da lei nova são comparáveis aos que foram extintos pelo Senado na LSN.

No último dia 17, um grupo de 31 subprocuradores-gerais da República pediu que o PGR, Augusto Aras, investigue Bolsonaro por supostas incitações dirigidas às Forças Armadas. No documento, defendem que Bolsonaro teria cometido o crime, previsto na LSN, de "tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito".

Os procuradores apontam, contudo, que um crime de natureza semelhante também está previsto na nova lei. Ele é definido como "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais".

Três dias depois de ser abolida pelo Senado, a LSN foi usada pelo ministro Alexandre de Moraes, na última semana, para autorizar a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB. O despacho lembrou que Jefferson havia repetido, em várias entrevistas, pedidos por intervenção militar e pela troca de todos os ministros do STF, além de incitações de violência contra eles e os senadores da CPI da Covid.

A conduta, segundo Moraes, pode configurar seis crimes na LSN. Mas também outros quatro fora dela: organização criminosa, crimes tributários, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

O advogado Luiz Gustavo Pereira da Costa, que representa Jefferson, nenhuma dessas suspeitas sustenta a investigação contra o ex-deputado. "O ministro Alexandre de Moraes teve que fazer um verdadeiro malabarismo jurídico, hermenêutico, para tentar criar uma fundamentação jurídica para prisão preventiva. Isso aí e nada é a mesma coisa", criticou.

Crimes previstos

A lei que o Senado aprovou em substituição à LSN inclui no Código Penal um total de dez crimes, divididos em cinco tipos: contra a soberania nacional, as instituições democráticas, o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral, o funcionamento dos serviços essenciais e a cidadania. São os seguintes:

  • Atentado à soberania - Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo. Pena: 3 a 8 anos de prisão
  • Atentado à integridade nacional - Praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir país independente. Pena: 2 a 6 anos de prisão, além da pena relacionada à violência
  • Espionagem - Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional. Pena: 3 a 12 anos de prisão.
  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito - Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena: 4 a 8 anos de prisão, além da pena correspondente à violência.
  • Golpe de Estado - Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: 4 a 12 anos de prisão, além da pena correspondente à violência.
  • Interrupção do processo eleitoral - Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral. Pena: 3 a 6 anos de prisão e multa.
  • Comunicação enganosa em massa - Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral. Pena: 1 a 5 anos de prisão e multa.
  • Violência política - Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: 3 a 6 anos de prisão, além da pena correspondente à violência.
  • Sabotagem - Destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito. Pena: 2 a 8 anos de prisão.
  • Atentado a direito de manifestação - Impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos. Pena: 1 a 4 anos de prisão.
Errata: este conteúdo foi atualizado
As informações do item "comunicação enganosa em massa" estava duplica. O texto foi corrigido.