Poluição tem efeito sobre controle cardiovascular, mostra estudo da USP
Em maior contato com a poluição do que os cidadãos comuns, trabalhadores do tráfego apresentam alterações em sua frequência cardíaca durante o repouso, como resposta a pequenas variações das concentrações de poluentes no ar. Segundo o fisioterapeuta Daniel Antunes Alveno, autor da pesquisa O efeito da poluição na variabilidade da frequência cardíaca de controladores de tráfego e taxistas na cidade de São Paulo, a constatação surpreende, considerada a exposição crônica dos controladores de trânsito e taxistas à poluição.
Em pessoas menos expostas, os efeitos da poluição são sentidos apenas durante o exercício físico. Desenvolvida no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), a dissertação de mestrado de Alveno buscou entender como a poluição age sobre o sistema cardiovascular desses trabalhadores.
A pesquisa considerou dados de 75 pessoas selecionadas em triagem no HC. Desses, 57 pertenciam ao grupo de trabalhadores do tráfego e os outros 18, constituindo uma espécie de grupo de controle, eram funcionários do Horto Florestal de São Paulo, localizado a mais de 12 quilômetros (km) do centro da cidade. Os participantes foram submetidos a quatro avaliações consecutivas no período de um mês, sendo uma por semana, em diferentes dias da semana.
O procedimento era simples: no dia anterior à avaliação, os profissionais deveriam buscar, no HC, um medidor de poluição que ficaria junto a eles por 24 horas, “para que fosse coletada a poluição a que eram expostos da forma mais próxima ao real”, relata Alveno.
No dia seguinte, os trabalhadores devolviam o aparelho para análise e passavam por uma avaliação de sua frequência cardíaca em duas fases: repouso e exercício, momentos controlados de maneiras diferentes por uma parte do sistema nervoso denominada Sistema Nervoso Autônomo (SNA), responsável por regular as funções involuntárias do organismo, entre elas os batimentos cardíacos.
Sistemas Simpático e Parassimpático
O SNA é subdividido em outros dois sistemas com funções antagônicas: o Sistema Nervoso Simpático (SNS), que estimula respostas do corpo a situações de estresse, incluindo exercícios físicos, acelera respiração e batimentos cardíacos, aumenta as concentrações de adrenalina e açúcar no organismo e ativa o metabolismo geral do corpo; e o Sistema Nervoso Parassimpático (SNP), que toma conta das atividades que respondem a situações calmas, desacelera coração e respiração, diminui pressão arterial, adrenalina e açúcar no sangue.
A interação e equilíbrio dos dois sistemas podem ser analisados por um componente denominado variabilidade da frequência cardíaca (VFC), que mede a diferença entre as frequências dos batimentos sob os estímulos nervosos simpático e parassimpático. O cenário ideal, que indica uma pessoa com sistema cardiovascular saudável, é a alta VFC. Por sua vez, a redução da VFC, com prevalência do SNS sobre o SNP, indica alteração das funções autônomas do organismo, seja por agentes internos ou externos.
Alterações na VFC
“Os trabalhadores do tráfego tiveram uma redução da atividade do sistema parassimpático durante o repouso”, conta o pesquisador. “A primeira resposta esperada seria que esses profissionais tivessem um amento do [funcionamento do sistema] simpático. Mas como eles já possuem um nível alto de estresse, a resposta é a redução do parassimpático”, completa. Com o aumento dos níveis de poluição, os efeitos são ainda mais agudos.
Por sua vez, os funcionários do Horto Florestal, expostos a menos da metade da poluição a que o outro grupo é submetido diariamente tem redução parassimpática apenas durante o exercício, quando submetidos a um estresse cardiovascular, embora também apresentem prevalência das atividades do SNS durante o repouso.
Essa prevalência do SNS mesmo no grupo dos trabalhadores florestais se dá, porque, apesar de estarem expostos a uma quantidade menor de poluentes que o outro grupo, ainda assim estão sujeitos a quantidades significativas de poluição acima do recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para baixo risco de doenças cardiovasculares (10 microgramas por metro cúbico de ar).
A diminuição da VFC, ressalta o pesquisador, não indica a presença de alguma doença. “A variabilidade da frequência cardíaca é uma resposta fisiológica a esse aumento da poluição”, diz. No entanto, os dados do estudo demonstram que pessoas com problemas como hipertensão, diabetes e obesidade — chamadas comorbidades —, além de aparecerem em grande quantidade na população estudada, correspondem justamente ao grupo que teve respostas ainda mais intensas ao aumento da concentração de poluentes.
“Não se sabe se a poluição é agente causador ou agravador dessas comorbidades, mas quem é muito exposto à poluição pode ter maior tendência ao aumento e agravamento dessas enfermidades”, avalia o fisioterapeuta.
(Com a Agência USP de Notícias)
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