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O que explica lockdown e comércio fechado não frearem caos da covid no AM

Pacientes do Amazonas é transferido para tratamento de covid-19 em Brasília - Divulgação SSP AM
Pacientes do Amazonas é transferido para tratamento de covid-19 em Brasília Imagem: Divulgação SSP AM

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

30/01/2021 04h00

As transferências de pacientes para outros estados, a abertura de novos leitos em hospitais e decretos rígidos de isolamento social não foram capazes de reduzir o colapso na saúde no Amazonas, que vê demandas crescentes de espera por uma vaga para tratamento.

O que chama a atenção é que decretos com fechamentos de serviços não essenciais ocorreram há 25 dias, sempre aumentando o endurecimento nas medidas.

O primeiro decreto mais rígido ocorreu no dia 4 de janeiro, quando o governo cumpriu, na verdade, uma decisão do TJ-AM (Tribunal de Justiça do Amazonas), suspendendo as atividades econômicas não essenciais pelo prazo de 15 dias. Naquela data, não havia ainda fila de espera.

Sem sucesso na contenção do vírus, o estado adotou um ato além: um toque de recolher no dia 14 de janeiro, proibindo a circulação de pessoas em todos os municípios das 19h às 6h. Àquela altura, a fila era de 427 pacientes.

Naquele mesmo dia, o estado viveu seu pior dia em termos de mortes por conta da falta de oxigênio em hospitais em Manaus e cidades do interior.

No último dia 24, diante de uma longa fila de espera que já alcançava 534 pessoas, o toque de recolher foi estendido para as 24 horas do dia.

Ontem (29), quando a fila chegou a 612 pessoas à espera, o governo decidiu manter o toque de recolher por mais oito dias.

Por que não cessou?

O UOL ouviu especialistas para tentar entender por que o estado —que sofre com uma nova variante provavelmente mais contagiosa— não conseguiu, como em outros momentos e outros estados, frear a disseminação do novo coronavírus.

Além da nova variante com transmissibilidade maior, outras questões pesaram. Uma hipótese levantada por todos é que o estado demorou a fazer o chamado lockdown.

Quando se dá um passo depois do momento ideal, você já está com a circulação viral muito elevada para a população. É uma transmissão comunitária e difusa. Então o vírus já transitava com muita facilidade por toda a cidade de Manaus.
Antonio Silva Lima Neto, epidemiologista e pós-doutor na Escola de Saúde Pública de Harvard (EUA)

O especialista, que atua na Secretaria de Saúde de Fortaleza, foi um dos responsáveis pela definição do lockdown na capital cearense —e que teve efeitos positivos para conter o avanço do vírus na primeira onda da pandemia, em abril.

"Às vezes você tem um isolamento que funciona muito bem em algumas áreas da cidade, mas, se ainda tem uma circulação que a gente chama granular, ou seja entre bairros, nos assentamentos precários, nas favelas; essa pequena movimentação permite que os poucos moradores que não estavam contaminados se contaminem", afirma.

Outra questão que ele cita é a transmissão intradomiciliar. "Alguém que tinha na casa passa para os demais, e aí o vírus circula ali por dentro, ou então pelo peridomicílio, pelos vizinhos", explica.

"Isso tudo, associado com o fato de que você não tem mais vaga nos hospitais, você vai acumulando casos", conclui.

Ritmo de queda deve ser lento

Segundo o médico e doutorando na Universidade de Oxford, no Reino Unido, Ricardo Parolin, o prazo para chegar a bons resultados com medidas tende a demorar por terem sido tomadas tarde demais.

Supondo que um lockdown superintenso tivesse sido aplicado no dia em que as coisas colapsaram, demorariam cerca de duas semanas só para notar um começo de queda nos novos casos confirmados. Até novas hospitalizações caírem demorariam mais umas outras duas semanas. E para mortes caírem demoraria mais uma ou duas semanas depois disso, usando os números que estamos acostumados de países europeus.
Ricardo Parolin, médico

Além do mais, no caso do Amazonas, ele diz que as estimativas estão comprometidas pela falta de assistência hospitalar. "As pessoas podem estar agravando mais precocemente após o início dos sintomas e morrendo mais e mais rápido. De qualquer forma é completamente fora da realidade esperar qualquer queda significativa nesses indicadores quando foram implementados posteriores ao colapso, de forma pouca intensa e por período tão curto", afirma.

Pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia, o virologista Felipe Naveca explica que a dinâmica do novo coronavírus sempre leva em conta as duas semanas anteriores.

"Vamos pensar que, se você fechar hoje, até 15 dias para trás as pessoas já podem ter se infectado. Então não vai reduzir de uma hora para outra por conta disso. A gente tem que esperar uma ou duas semanas para que consiga ver uma uma queda verdadeira", destaca.