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Como a Ilha de Páscoa conseguiu conviver com o Aedes e evitar o zika

BBC
Imagem: BBC

Paula Molina

Do Chile para a BBC Mundo

13/02/2016 17h04

Das ilhas habitadas no mundo, a Ilha de Páscoa, no Chile, é uma das mais remotas.

Mais de 5 mil pessoas vivem no local, onde ficam as monumentais estátuas de pedra conhecidas como moais.

Há 18 anos, os habitantes convivem com o mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus zika, que causa a doença que se espalhou pelo Brasil e vários outros países das Américas, e levou a Organização Mundial da Saúde a emitir um alerta de emergência global.

Segundo o prefeito da ilha, Pedro Edmunds, apesar de um caso de zika ter sido registrado entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, junto com outros 173 casos suspeitos no mesmo período, o território continua livre da doença.

"Sabemos conviver com o mosquito Aedes aegypti, que é o verdadeiro vilão deste filme", disse Edmunds à BBC Mundo.

Edmunds estava em Hanga Roa, a zona urbana da ilha. Diferente do Chile continental, a ilha tem um clima subtropical, com verões quentes e úmidos.

"Entendemos deste vetor porque é o transmissor de outras doenças graves como a dengue, dengue hemorrágica, chikungunya, que deixa sequelas."

As medidas para evitar a proliferação do mosquito já estão em vigor há anos na ilha.

Dengue

A principal preocupação na Ilha de Páscoa não é o zika vírus, é o da dengue.

Na internet, a página da ilha informa sobre esta doença.

"Todos contra a dengue: vamos eliminar os criadouros", é a frase que se lê acompanhada de instruções sobre como evitar o acúmulo de água parada.

"Temos um plano de saneamento permanente que é minha recomendação para o mundo", afirmou Edmunds, que governa o município quase sem interrupção desde 1994.

"Aqui, da mesma forma que uma pessoa acorda de manhã e precisa escovar os dentes, cada um precisa limpar seu ambiente e preocupar-se também se o vizinho está fazendo isto. Uma parte é convencer as pessoas e, depois, com ferramentas jurídicas que os obriguem", acrescentou.

O governo central do Chile afirma que o gerenciamento na ilha é diferente do que ocorre no continente.

"Em termos sanitários (a ilha) é pequena. Ali existe um gerenciamento ambiental dos vetores. Há educação permanente sobre os lugares que poderiam ser criadouros, como água parada, vasos, potes onde se dá água aos animais, pneus, restos de automóveis etc...", disse María Graciela Astudillo, representante do Ministério da Saúde chileno para a região de Valparaíso, que administra a ilha.

"Há o controle de todos os lugares onde (o mosquito) poderia proliferar, a grama é cortada, os quintais arrumados. Trabalhamos com a comunidade."

"Estamos fazendo a vigilância e não há crianças com microcefalia na ilha", acrescentou Astudillo.

Imunidade?

Autoridades de saúde em Santiago afirmam ser provável que grande parte da população da ilha tenha imunidade contra o vírus zika.

"Esta é apenas uma teoria", disse o prefeito.

A população da Ilha de Páscoa, cujo nome original é Rapa Nui, se concentra em um único lugar, Hanga Roa.

Os outros três quartos do território, conhecidos por abrigarem os monumentais moais, estão livres do mosquito, segundo a prefeitura.

"A ilha tem um setor muito limitado, onde vive a sociedade. O resto são sítios arqueológicos que não têm o vetor porque não há humanos vivendo nestes setores. Os sítios sagrados estão livres do mosquito", afirmou Edmunds.

O prefeito se refere a locais como Ahu Tongariki, onde estão 15 moais olhando para o oceano Pacífico, ou o vulcão Rano Raraku, em cujas encostas foram esculpidas as estátuas.

E este é um dado importante: os turistas da Ilha de Páscoa, um local considerado patrimônio da humanidade pela Unesco, chegam a um total de 80 mil por ano. Boa parte da renda da ilha, que também é um parque nacional, depende deles.

Mas os voos que trazem os turistas também representam uma das vulnerabilidades de Rapa Nui.

Chegam à Ilha de Páscoa voos vindos do Chile, a mais de 3,5 mil quilômetros de distância, e do Taiti, a mais de 4,3 mil quilômetros.

"Há voos que vem do Taiti e do Pacífico. Também somos porta de entrada desde a América do Sul, com voos diretos que poderiam vir do Brasil via Santiago. Poderia ser que nestes voos viajam pessoas no período de incubação da doença", afirmou o prefeito.

O prefeito afirma que todos estão atentos para casos de turistas com febre. E María Graciela Astudillo acrescenta que todos os casos são acompanhados.

"Em caso de febre, se (o turista) vem de uma zona onde há o surto, fazemos o acompanhamento. Estamos coordenados para detectar (a doença) no hospital de Hanga Roa", afirmou Astudillo.

Os voos que saem da ilha são fumegados, mas os voos que chegam não são. Algo que as autoridades afirmam não ser suficiente.

"O controle de voos não é suficiente. Me alegro com o fato de declararem emergência mundial pois os países deveriam tomar medidas mais sérias. O vetor chegou à ilha vindo do Taiti, por isso estamos infectados. O Chile deveria ter uma aproximação amigável de trabalho com eles para ajudá-los a resolver seu problema lá", afirmou o prefeito.

Da Polinésia Francesa

Alguns cientistas acompanham a preocupação local: eles acreditam que a zika chegou à Ilha de Páscoa vinda da Polinésia Francesa.

A ilha não registrou casos em 2015 e em 2016. Mas o único caso registrado em 2014 foi de um morador da ilha que tinha viajado ao Taiti.

Ao voltar, ele apresentou um quadro de febre e foi atendido no hospital da ilha que, seguindo o protocolo, mandou as informações sobre o paciente para Santiago, onde o diagnóstico foi confirmado.

Mas de acordo com um estudo de outubro de 2015, publicado pelo virologista Didier Musso, do Centro para a Informação Biotecnológica dos Estados Unidos, o vírus zika chegou à Ilha de Páscoa vindo do Taiti, mas provavelmente durante a festa cultural anual da ilha, o Tapati.

"O vírus foi transmitido provavelmente em Nova Caledônia, nas Ilhas Cook e na Ilha de Páscoa, quando viajantes vindos da Polinésia Francesa e infectados com o vírus zika foram picados por vetores enquanto estavam nas ilhas", escreveu o professor do Instituto Louis Malardé, no Taiti.

Nesses casos, o contágio coincide com o surto do vírus registrado entre 2013 e 2014 na Polinésia Francesa.

Musso também acredita que essa mesma variante do vírus é a que chegou ao Brasil.

O artigo afirma que o vírus não teria chegado ao Brasil durante a Copa de 2014, como se acreditava, já que nenhum país com registro endêmico de zika participou do torneio.

O cientista sugere que o vírus pode ter sido transmitido por competidores do Mundial de Canoagem Va'a realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2014.

"Quatro nações do Pacífico (Polinésia Francesa, Nova Caledônia, Ilhas Cook e Ilha de Páscoa) em que o vírus circulou em 2014 tiveram equipes que participaram do torneio em várias categorias", diz o estudo.

O que se tem certeza no momento é que não se sabe a origem do surto de zika vírus que afeta o Brasil e outros países da América Latina.

O Chile se juntou aos esforços globais para conter a doença e representantes do país assistiram à reunião de cúpula regional realizada no Uruguai para tratar deste tema. Mesmo com a OMS estimando que o Chile, junto com o Canadá, era um dos poucos países que poderia se livrar do surto.

O clima temperado do país serviria como uma barreira natural.

Mesmo assim, as autoridades são cautelosas.

"Hoje estamos livres. Mas o mosquito poderia se aclimatar. As condições climáticas mudam. Não é possível garantir que nunca vamos ter (a doença)", disse María Graciela Astudillo.

Brasil tornou o zika vírus uma preocupação mundial

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