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Conduta de Bolsonaro na covid-19 pode levá-lo a impeachment, diz Witzel

2019: Witzel e Bolsonaro se encontram em Brasília; hoje, se opõem - Divulgação/Assessoria
2019: Witzel e Bolsonaro se encontram em Brasília; hoje, se opõem Imagem: Divulgação/Assessoria

Carlos A. Moreno

Da EFE, no Rio

11/04/2020 16h43

A conduta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à pandemia da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, pode ter graves consequências políticas e jurídicas, como um impeachment, afirmou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), em entrevista à Agência Efe.

"É preciso que o presidente tenha uma noção clara de que aquilo que ele fala pode ter repercussões políticas para ele e, eventualmente, caracterizar um crime de responsabilidade (que permite a abertura de um processo de impeachment). Isso se o que ele fala (de reabrir todo o comércio e suspender restrições de circulação de pessoas) se transformar em ações", declarou.

Ex-juiz federal, ex-fuzileiro naval e "outsider" na política até ser eleito em 2018, Witzel afirmou que "o comportamento de um chefe de Estado que não se adequa às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) pode ter repercussões internacionais".

"O Tratado de Roma estabelece em um de seus artigos sobre crimes contra a humanidade os de causar sofrimento, causar danos à integridade física das pessoas. Já há uma denúncia no Tribunal Penal Internacional, e isso pode ser uma consequência de uma conduta que não observa as determinações da OMS"

Witzel alegou ainda que Bolsonaro "está na contramão da história do que nós estamos vivendo" em relação à luta contra a pandemia.

"O mundo inteiro defendendo medidas contra o vírus, com isolamento total da sociedade até que se descubra uma vacina ou que testes sejam feitos", argumentou.

Na entrevista, o governador também negou que planeje, ao menos neste momento, disputar as eleições presidenciais em 2022.

"Minha preocupação agora é governar o Rio de Janeiro, governar bem. Quando chegarmos a 2022, aí sim, vamos nos reunir e pensar naquilo que vamos fazer para o bem do estado ou para o bem do Brasil", declarou.

Agência Efe: Com as medidas adotadas até agora de isolamento social, já começou a ser achatada a curva de contágio do novo coronavírus? É necessário endurecer as medidas ou já se pode flexibilizá-las?

Wilson Witzel: Desde que nós começamos a realizar a restrição da circulação de pessoas, no dia 13 de março, a nossa curva está se comportando de forma achatada. E, apesar de todos os esforços que nós estamos fazendo para que as pessoas fiquem em casa e só saiam para realizar atividades estritamente necessárias, há uma diferença de orientação entre os governadores dos estados e o presidente da República. Isso tem dificultado muito, porque sabemos que, em todos os países, a União, o ente federativo maior, tem que ajudar os estados, e aqui no Brasil não tem sido dessa forma. Há uma diferença de tratamento entre aquilo que pensam o ministro da Saúde (Luiz Henrique Mandetta) e o presidente da República, e isso pode estar incentivando as pessoas a irem às ruas, o que para nós é muito preocupante, porque não temos testes suficientes para todas as pessoas e não estamos ainda com todas as unidades (hospitalares) prontas para enfrentar uma demanda maior de pacientes, tanto nos hospitais como nas unidades de tratamento intensivo.

Efe: O senhor, como jurista, considera que o discurso de Bolsonaro e sua posição de menosprezar o coronavirus podem ter consequências posteriores, como alguma sanção internacional, ou mesmo consequências políticas no Congresso brasileiro?

Witzel: O que eu tenho dito é que o comportamento de um chefe de Estado que não se adequa às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) pode ter repercussões internacionais. O Tratado de Roma estabelece em um de seus artigos sobre crimes contra a humanidade os de causar sofrimento, causar danos à integridade física das pessoas. Já há uma denúncia no Tribunal Penal Internacional, e isso pode ser uma consequência de uma conduta que não observa as determinações da OMS.

Internamente, interferir na administração dos estados também pode ser uma das hipóteses do crime de responsabilidade (que permite a abertura de um processo de impeachment). Então é preciso que o presidente tenha uma noção clara de que aquilo que ele fala pode ter repercussões políticas para ele e, eventualmente, caracterizar um crime de responsabilidade. Isso (pode acontecer) se o que ele fala (de reabrir todo o comércio e suspender restrições de circulação de pessoas) se transformar em ações. Até o presente momento o que ele fala não está sendo documentado, nao está sendo concretizado juridicamente. Então, até o presente momento, ficou no campo das ideias. Embora esteja, de certa forma, atrapalhando, porque confunde as pessoas, juridicamente não tem tido impacto na administração dos estados.

Efe: Em uma entrevista concedida à Agência Efe na semana passada, o governador de São Paulo, João Doria, disse que o presidente Bolsonaro não só perdeu as condições políticas para governar, como "não está bem das suas faculdades mentais". O senhor concorda com essa afirmação?

Witzel: Não sou psiquiatra, não sou psicólogo, e mesmo quando eu era juiz, para poder dizer se uma pessoa tinha capacidade de entender o caráter delituoso do fato, eu precisava submeter essa pessoa a uma avaliação de um profissional apropriado. Então eu não posso avaliar se o presidente tem problemas psiquiátricos ou não, porque eu não sou o profissional qualificado para isso.

Mas há quem defenda, como (o jurista) Miguel Reale Júnior, a necessidade da realização de uma investigação psiquiátrica (em Bolsonaro). É preciso que isso esteja dentro da estrutura de algum processo. Uma das hipóteses é um processo penal no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual se avalie a inimputabilidade do presidente, mas não posso fazer essa avaliação (psiquiátrica).

O que eu digo é que ele está na contramão da história do que nós estamos vivendo. O mundo inteiro defendendo medidas contra o vírus, com isolamento total da sociedade até que se descubra uma vacina ou que testes sejam feitos. O que ele deveria estar fazendo é isso, buscando comprar os testes, comprar os equipamentos, atender os estados com recursos materiais, fazer a gestão junto ao Ministério da Economia para suprir as perdas dos estados. E, evidentemente, se ele não fizer isso, o reflexo do que vai acontecer daqui para o futuro vai ser atribuído única e exclusivamente a ele. Salvar a economia do estado não é responsabilidade dos governadores. É de responsabilidade do governo federal. E ele, como chefe da nação, deve tomar essas providências. Se não o fizer, a responsabilidade política será toda dele: num processo de avaliação de impedimento ou no processo eleitoral de 2022.

Efe: O presidente diz que se preocupa mais com as consequências econômicas e os empregos. O governo do estado do Rio pensa de outra forma?

Witzel: O nosso caso é diferente. Nós estamos preocupados em salvar vidas. O problema da economia nós vamos resolver depois. O ideal seria que o Governo Federal e o presidente da República se concentrassem nas soluções para a questão econômica dos estados que estão fazendo as restrições de circulação, que são necessárias pela determinação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos médicos que trabalham conosco na Secretaria de Saúde.

Efe: Pelo que o senhor diz, o presidente está dificultando os esforços dos governadores e dos prefeitos para combater o coronavírus?

Witzel: Tem sido muito difícil o relacionamento. O presidente todo o tempo tem se mostrado preocupado com as eleições de 2022, e não é o momento de falar de eleição, de falar de política. O momento agora é de salvar vidas, de agir tecnicamente, como todo governo deve fazer. De política a gente fala no momento das eleições. No momento das eleições, nós vamos disputar e ver quem tem as melhores propostas. Mas, infelizmente, isso não está acontecendo e tem dificultado muito o relacionamento dos governadores com o Governo Federal.

Efe: Procede a acusação de Bolsonaro de que os governadores que impõem restrições à mobilidade, como os de Rio e São Paulo, estão mais preocupados com as eleições?

Witzel: Isso não é verdade.

Minhas ações não são pautadas pelas eleições de 2022. O que tenho feito é melhorar a economia do nosso estado, melhorar a segurança do nosso estado, e todas as ações que temos tomado no nosso estado, independentemente do prefeito ou do partido político, têm sido conduzidas de forma técnica. Da minha parte, estou preocupado em governar o Rio de Janeiro. Não estou preocupado com as eleições de 2022 e nem estou preocupado com as eleições de 2020 (municipais). Digo sempre que minha atribuição como governador não é decidir quem vai participar de uma eleição ou não. Minha atribuição é governar, e o partido é que tem que trabalhar para poder resolver quem serão os candidatos a prefeito em 2020.

Efe: O senhor diz que não está preocupado agora com as eleições de 2020, mas quando esse ano chegar, estará preocupado com sua reeleição ou tem aspirações políticas maiores?

Witzel: Minha preocupação é em governar bem o Rio de Janeiro. Todo político vai evidentemente pensar no seu futuro. Não sou da política, não fiz carreira na política. Fiz carreira no Judiciário, sou jurista e me candidatei a governador porque o estado do Rio de Janeiro estava passando por uma situação muito difícil, uma crise moral. E eu deixei a magistratura, deixei de ser juiz federal, para ser governador, porque acredito que seria a melhor solução, tinha a melhor proposta. E o povo reconheceu isso. Minha preocupação agora é governar o Rio de Janeiro, governar bem. Quando chegarmos a 2022, aí sim, vamos nos reunir e pensar naquilo que vamos fazer para o bem do estado ou para o bem do Brasil.

Efe: De qualquer forma, sua vitória eleitoral foi muito vinculada à vitória de Bolsonaro como presidente. Não teme que as atuais divergências com ele possam dificultar sua carreira política?

Witzel: Como eu disse, eu não faço carreira na política. Estou aqui porque acredito em um ideal para as próximas gerações. Sou jurista, fui juiz federal, sou advogado e estou aqui porque acredito em um projeto, acredito em uma proposta que é melhor para o meu estado, estado em que eu moro, no qual tenho minha família e meus amigos. Temos que pensar é que lá na frente, em 2022, é que vamos resolver quem vai ser candidato ou não. Apoiei a pauta do presidente Bolsonaro quando eu era candidato porque tinha muitos pontos em comum com minha pauta. E, ao longo desse primeiro ano de governo, o presidente Bolsonaro se distanciou dos governadores e se distanciou de mim, colocando essa questão das eleições de 2022. Então não estou preocupado com eleições, com carreira política. Estou preocupado agora em salvar o Rio de Janeiro, em salvar vidas. E em fazer com que as pessoas consigam superar as dificuldades desta pandemia de coronavírus e buscar soluções para isso.

Efe: O ministro da Saúde disse que a pasta negocia com traficantes e milicianos para fazer campanhas preventivas contra o coronavírus em comunidades dominadas por eles. O senhor considera que é uma declaração na qual reconhece que o estado perdeu sua autoridade nas favelas?

Witzel: Tenho elogiado muito o ministro Mandetta em todas as suas declarações, mas nessa eu não posso concordar com ele. Com os traficantes e milicianos, nós só temos uma conversa: para eles se entregarem e serem processados e julgados por seus crimes. As comunidades têm uma realidade que talvez o ministro desconheça, que são as associações de moradores, são as associações de pessoas que se conhecem na comunidade, então conversar com essas pessoas vai ser muito melhor do que conversar com qualquer outra pessoa da comunidade. O traficante não detém domínio sobre a comunidade, ele ocupa um espaço, ele fica escondido. Quando a polícia chega para fazer uma operação, eles estão em uma determinada área. As comunidades são muito grandes, há comunidades com mais de 100 mil habitantes, então o traficante nem de longe tem domínio sobre aquela área. A polícia faz operações com muito cuidado para evitar que elas tenham um efeito colateral como a morte de uma pessoa não envolvida no crime. Mas o melhor será, e aí fica a minha dica ao ministro Mandetta, conversar com as comunidades, conversar com as associações de bairro, conversar com as pessoas que moram na comunidade, que vão dizer a melhor forma de chegar a um ou outro lar para fazer uma ação. O que é necessário agora nas comunidades é levar comida, a higienização e recolher as pessoas.

É uma parte muito restrita da comunidade que fica sob o domínio do tráfico de drogas, e a polícia está sempre reduzindo o espaço deles. No nosso governo, os homicídios caíram sensivelmente, terminaremos 2022, no final do meu mandato, com menos de 3 mil mortes por ano. Isso é muito, mas, quando nós assumimos, eram 5 mil por ano. Isso mostra que estamos obtendo resultados, prendendo traficantes, tirando armas das ruas e reduzindo a influência do tráfico sobre os mais jovens para dar um futuro melhor para elas.

Efe: Quanto à ordem pública, como está a situação de segurança do Rio durante a pandemia? As polícias continuam trabalhando normalmente? Há policiais parados por doença? Diminuiu a criminalidade?

Witzel: Reduzimos o número de policiais, mas muito pouco. A tropa tem sido protegida com equipamentos de proteção individual. A criminalidade de rua, como roubo de pedestres, roubo de carros, roubo de carga, foi sensivelmente reduzida. E os homicídios também caíram, o que mostra que a polícia está fazendo seu trabalho, está nas ruas e, ao mesmo tempo, está cuidando das questões envolvendo a pandemia, como o controle do transporte público, para evitar que muitas pessoas estejam nas ruas.