A 'conspiração' que impediu São Paulo de enterrar seus fios
O emaranhado de fios sobre São Paulo é um retrato da voracidade de um mercado desregulamentado e sem supervisão. São, na maioria, fibras ópticas de dezenas de telecoms diferentes que pagam aluguel à dona dos postes, a Enel, para pendurar neles a maçaroca de cabos que se enredam e se multiplicam a cada dia.
Os fios de eletricidade, a razão de ser dos postes, seguem solitários lá no alto. Solitários até encontrarem um galho ou tronco de árvore em dia de tempestade. E aí desfaz-se a luz.
O drama é conhecido dos paulistanos e, à medida que a fúria da crise climática aumenta, mais frequente. Enquanto prefeito, governador e ministro se acusam, a única solução definitiva para os apagões periódicos nem sequer é prevista ou cogitada.
Dez anos atrás, o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, lançou um plano detalhado para enterrar milhares de quilômetros de fios da cidade. Com raras e curtas exceções em um ou outra avenida, não conseguiu. Ele explica que tudo conspirou contra. Da concessionária à Justiça, passando pelo órgão regulador.
A privatização da Eletropaulo, em 1998, não previu no caderno de encargos da concessionária que comprou a estatal a obrigação de enterrar a fiação - como Paris fez no século 19, e como foi feito em partes privilegiadas de São Paulo muitos anos atrás. Lugares como o centro velho, as avenidas Paulista e Rebouças.
Sem obrigação contratual, a AES-Eletropaulo (e, depois, a Enel) se recusou a arcar com os custos de enterrar a "fiarada". Além do custo, não quis perder a receita do aluguel dos postes.
O enterramento custa caro: entre R$ 3 milhões e R$ 10 milhões por quilômetro, dependendo de quão congestionado está o subsolo por encanamentos variados, e do tipo de solo e da topografia.
Então, Haddad tentou criar uma contribuição a ser paga pelos donos dos imóveis que se beneficiariam da retirada dos fios. Afinal, suas vistas e fachadas ficariam mais limpas e belas, suas árvores não teriam a competição dos cabos e sua energia elétrica correria muito menos risco de ser desligada pela chuva.
A Justiça não deixou.
O então prefeito tentou uma última cartada: convencer a concessionária a cobrar uma tarifa diferenciada dos clientes que tivessem acesso à rede subterrânea, por ser mais segura. Aí foi a vez da Aneel vetar a ideia. A agência que deveria regular e supervisionar o mercado de energia baixou portaria que proíbe a diferenciação de tarifas entre consumidores de uma mesma praça.
É muito difícil enterrar os cabos, mas não impossível. Segundo o professor da Faculdade de Urbanismo da USP e vereador eleito Nabil Bonduki, a Prefeitura de São Paulo tem recursos disponíveis para isso. Com o que gastou com asfaltamento às vésperas da eleição, poderia ter enterrado a fiação de 500 a 600 quilômetros de ruas por ano. Além disso, o BNDES tem linhas de financiamento que poderiam ajudar a pagar esse custo.
Isso requereria do prefeito capacidade de articular os recursos dos governo municipal, estadual e federal - além de obrigar a concessionária a fazer sua parte enterrando os fios. Mas o prefeito Ricardo Nunes parece mais preocupado em se reeleger. Dedicou-se, durante a crise mais recente, a empurrar a responsabilidade para longe de si. Não é sua prioridade.
Enquanto isso, a intensidade e frequência de fenômenos climáticos, como o que deixou milhões de paulistanos sem energia por dias, tendem a aumentar cada vez mais. Logo, logo alguém vai propor uma saída simples, barata e desastrosa: cortar todas as árvores da cidade antes que elas caiam sobre a fiação aérea.
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