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OPINIÃO

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Novo Código Eleitoral inviabiliza a fiscalização das contas partidárias

12.ago.2021 - Prédio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em Brasília - Antonio Augusto/Secom/TSE
12.ago.2021 - Prédio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em Brasília Imagem: Antonio Augusto/Secom/TSE

Lara Marina Ferreira. Mestre em Direito pela UFMG, Professora de Direito Eleitoral, Servidora da Justiça Eleitoral e membro da ABRADEP.

21/09/2021 04h00

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Partidos políticos devem prestar contas à Justiça Eleitoral. É o que prevê a Constituição Federal. A análise - que antes era realizada manualmente, em papéis espalhados pelos cartórios eleitorais no Brasil -, passou a ser feita por sistema eletrônico, com divulgação das contas no site do TSE. Entretanto, os contínuos avanços correm agora o risco de grave reversão.

O projeto do Novo Código Eleitoral em debate no congresso prevê a adoção imediata de sistema da Receita Federal em substituição ao da Justiça Eleitoral. A expectativa dos partidos é legítima: evitar o duplo trabalho de alimentação de dados. O problema é que o Sistema Público de Escrituração Digital da Receita Federal (SPED) é ferramenta de memória contábil, com finalidade fiscal. Não se trata de sistema vocacionado para auditoria. Será necessário investigar sua performance e, eventualmente, desenvolver soluções adicionais de tecnologia que assegurem a auditoria eletrônica. É caminho a ser construído em médio prazo, com estudos técnicos e diálogo entre a Justiça Eleitoral, a Receita Federal e os partidos políticos.

Além disso, o projeto estabelece prazos que inviabilizam, na prática, a análise das contas partidárias. Atualmente, a Justiça Eleitoral dispõe de 5 anos para julgar as contas. Pela nova proposta, esse prazo será reduzido para 3 anos, cabendo ao o órgão técnico da Justiça Eleitoral apontar irregularidades em até 180 dias da entrega das contas. É claro que a redução do tempo de julgamento das contas interessa a toda a sociedade. Contudo, a mera imposição de prazo na lei, sem que sejam aperfeiçoados os meios para a análise efetiva, não resolverá o problema. O risco será de absoluto desconhecimento das contas.

Conjugadas, as duas propostas criam um modelo que inviabiliza a fiscalização e que apenas formalmente parece cumprir o dever constitucional. Na última década, a forma de financiamento da política no Brasil passou por profundas alterações, com aumento significativo dos recursos públicos. Em 2013, quando ainda eram permitidas as doações de pessoas jurídicas, o Fundo Partidário alcançava a cifra de 362 milhões de reais. Agora, apenas no primeiro semestre de 2021, as agremiações receberam mais de 489 milhões de reais, com previsão de gasto anual que ultrapassará a casa dos 950 milhões de reais.

Com a centralidade dos recursos públicos, espera-se dos partidos, na condição de instâncias organizadoras do processo legislativo, reforma que aperfeiçoe o sistema de controle e fiscalização das contas - e não o contrário.