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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A regulamentação da manifestação política dos influenciadores digitais

Farofa da Gkay - Reprodução/Instagram
Farofa da Gkay Imagem: Reprodução/Instagram

Lígia Vieira de Sá e Lopes. Servidora da Justiça Eleitoral (TRE/CE), especialista em Direito Eleitoral e membro da ABRADEP

16/12/2021 04h00

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Nos últimos dias verificou-se nas mídias sociais uma enxurrada de notícias sobre o evento denominado "A Farofa da Gkay". Mas o que é esse evento e o que nos diz sobre a sociedade brasileira e a interferência midiática no processo eleitoral?

Trata-se da festa de aniversário de uma artista que possui mais de 17 (dezessete) milhões de seguidores e contou com os mais populares influenceres do Brasil. As redes sociais e jornais de notícias falaram constantemente no assunto, de forma que, em um dado momento, fosse para criticar ou enaltecer, boa parte da população teve conhecimento e foi afetada pelo evento.

Segundo a revista Exame, somente na plataforma Twitter, foram 786 mil menções feitas por 396 mil usuários, com potencial para impactar 256 milhões de contas, gerando um custo de divulgação infinitamente menor do que o da contratação de publicidade paga com o mesmo efeito de propagação.

No Instagram, de acordo como jornal o Globo, o perfil de Gkay (@gessikayane) ganhou mais de 1 milhão e 600 mil seguidores em apenas sete dias, e o perfil oficial da festa (@afarofadafkay) conseguiu mais de 1 milhão e 500 mil novos seguidores no mesmo período, dados da ferramenta CrowdTangle.

Adaptando a um cenário eleitoral, se um candidato fosse beneficiado com propagandas no evento, conseguiria uma divulgação, incontáveis vezes mais do que se tivesse contratado um impulsionamento em perfil próprio, com um custo muito menor, o que seria possível, de acordo com a legislação vigente.

Atualmente, não existe limite na lei da atuação dos influenciadores digitais nas campanhas eleitorais. Aliás, nem sequer o exercício da profissão foi regulamentado, deixando um vácuo nas formas de controle dessa atividade.

A participação de youtubers nas disputas eleitorais foi enfrentada nas eleições de 2018 e 2020 e certamente se repetirá nas de 2022, já que o meio digital virou a verdadeira praça pública de debates políticos. Um influenciador digital se equipara a um mentor de seus seguidores, determinando preferências, forma de vestir e atuar na vida social, sendo a influência na escolha do voto um desdobramento inevitável.

O projeto do Novo Código Eleitoral inaugurou a matéria ao prever, no art. 495, a vedação da propaganda eleitoral, ainda que gratuita, nos canais dos influenciadores digitais. A restrição cria balizas de responsabilização sobre atos praticados por esses profissionais, que se diferenciam do cidadão comum, uma vez que produzem conteúdo abdicando consciente e voluntariamente da privacidade e vida íntima.

Vale enfatizar que o ensaio de controle proposto no Novo Código Eleitoral é apenas um paliativo e início do debate para garantir autonomia mínima na liberdade de escolha de candidatos e legitimidade democrática.

Porém, reconhece-se que a questão é estrutural e profunda, passando pela identificação do conceito de massa e sua manutenção nas relações sociais modernas, agravadas pela superficialidade contemporânea. Tal como disse Sigmund Freud: "As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas."