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O jacaré atacou o banhista, mas ainda é chamado de tronco
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A delegada responsável pela condução do inquérito que investiga a morte do Guarda Municipal Marcelo Arruda, ocorrida em sua festa de aniversário no último sábado, promoveu o indiciamento do Policial Penal Jorge José da Rocha Guaranho pelo crime de homicídio qualificado.
Chama atenção, no entanto, o fato de que a autoridade policial, mesmo reconhecendo que Guaranho foi ao local por motivações políticas, negou essa relação direta com o assassinato e afirmou não haver provas de que o crime foi cometido por razões políticas.
Essa conclusão, contudo, não é definitiva. Após o final do inquérito policial, o Ministério Público provavelmente oferecerá denúncia nos termos que entender mais adequados. E efetivamente oferecida denúncia por homicídio, caberá a um magistrado ou magistrada, e possivelmente a um júri, analisar a questão da motivação.
Marcelo exercia cargo de dirigente no Partido dos Trabalhadores no Município, foi candidato a vice-prefeito de Foz do Iguaçu pelo partido em 2020 e o tema da festa foi o ex-presidente Lula. Guaranho se aproximou da festa tocando músicas alusivas a presidente Jair Bolsonaro, fez ofensas aos presentes por causa da militância pelo partido e pela festa homenageando um de seus líderes. Seria preciso bem menos elementos para concluir pela motivação política. Desvincular o acirramento da discussão da rivalidade política é descartar fatos importantes e exigir elementos para muito além dos previstos em lei para qualificar o crime nesses termos.
Deixemos de lado a tentação de enxergar essa questão apenas juridicamente e verificar se nas circunstâncias do caso estão presentes os elementos do conceito de crime político ou com motivação política.
Não é incomum que as pessoas, mesmo diante de elementos claros de alguma tragédia iminente ou risco grave, prefiram ignorá-los. A sociedade brasileira, através de diversos agentes, negou os riscos explícitos trazidos com as ameaças de violência política ou mesmo com a violência física em si.
A morte do capoeirista Moa do Katendê em Salvador já anunciava, em outubro de 2018, uma "boca de jacaré" com a qual deveríamos ter bastante cuidado. A conclusão da investigação de que houve motivação política não foram suficientes para acender todos os alertas.
A quem interessa não enxergar a boca do jacaré que nada ao nosso lado?
O jacaré não se identificou, tampouco apresentou documento de identificação com foto, mas o peso de lidar com sua ferocidade e de pensar que naquele ambiente pode haver outros gera mesmo nos desinteressados um desconforto e um sofrimento psíquico.
Freud afirmou que "a negação é um modo de tomar conhecimento do reprimido; na verdade já é um levantamento da repressão, mas naturalmente não a aceitação do reprimido"[1]. Reprimir os perigos da violência política pode ser um meio eficaz de proteção do ego contra o sofrimento psíquico, mas nos deixa expostos num ano onde rivalidade, ódio e violência colocarão desafios importantes para a democracia brasileira.
Leonel Brizola costumava questionar: "Tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré, pé de jacaré, olho de jacaré, corpo de jacaré e cabeça de jacaré, como é que não é jacaré?"
Pois bem, o jacaré já atacou o banhista, mas continuam chamando de tronco para evitar olhar para toda a lama do pântano no qual estamos afundando.
[1] FREUD, Sigmund. A negação. Editora Cosac Naify, 2014, p. 8.
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