Celular de mulher de Mauro Cid expõe rede de notícias falsas sobre vacina
Relatório da Polícia Federal sobre o telefone celular de Gabriela Cid, mulher do ex-ajudante-de-ordens Mauro Cid, mostra a atuação dela na disseminação de notícias falsas contra a vacina da covid-19 em uma rede de desinformação envolvendo parentes de militares. A PF também identificou discussões em grupo de WhatsApp sobre como fraudar o certificado de vacina.
O aparelho foi apreendido em maio, na mesma operação da PF que prendeu seu marido, o tenente-coronel Mauro Cid, que era um dos auxiliares mais próximos de Jair Bolsonaro.
Nas mensagens trocadas com seus contatos, Gabriela Cid chegou a ironizar a emissão do certificado falso da vacina apesar de nunca ter recebido o imunizante: "Tomei minhas doses kkkkk".
O UOL teve acesso com exclusividade às informações extraídas pela Polícia Federal do celular da mulher de Mauro Cid. Para a PF, os dados encontrados corroboram as suspeitas da participação de Mauro Cid e seus familiares em um esquema de fraudes em certificados de vacina.
Em depoimento prestado à PF, Gabriela Cid admitiu ter usado o certificado de vacina falso para viajar aos Estados Unidos em dezembro de 2021. O próprio Mauro Cid foi indiciado pela PF em um inquérito anterior sobre a disseminação de notícias falsas envolvendo o uso de máscaras e vinculando a aplicação das vacinas a um falso risco de desenvolver o vírus do HIV.
O que foi encontrado:
- Uma anotação salva no aparelho celular comprovou o uso do certificado falso de vacina para entrar nos EUA. Em uma lista de tarefas necessárias para a viagem, ela escreveu em um dos trechos: "Cartão de vacinação". Ao lado, colocou um símbolo indicando que a tarefa havia sido resolvida.
- Nos diálogos com uma amiga, Gabriela Cid criticou o uso de máscaras contra a covid-19. Em novembro de 2022, após a eleição de Lula, Gabriela afirmou que o governo iria colocar de volta as restrições da covid-19 e disse que a companhia de balé de sua filha havia solicitado o uso de máscaras. "Falei que ela não irá de máscara", escreveu Gabriela.
- Em mensagem de 30 de novembro de 2022, Gabriela Cid pediu a essa mesma amiga que lhe enviasse um vídeo com notícias falsas sobre a covid-19 para encaminhamento a outras pessoas. "Vc tem aquele documentário sobre a vacina? Mostrando os coágulos sendo retirados nas autópsias?", perguntou.
Fraude no ConecteSUS
- A Polícia Federal localizou imagens de um grupo de WhatsApp do qual Gabriela Cid participava, denominado "Mulheres 2.0". Nas mensagens, as participantes, ainda não identificadas pela PF, discutem maneiras de fraudar o ConecteSUS, o sistema do Ministério da Saúde responsável por registrar as doses tomadas pelos brasileiros.
- A discussão começou depois que uma delas enviou uma notícia de dezembro do ano passado sobre o Ministério da Saúde ter encomendado 50 milhões de doses da vacina da Pfizer. Em seguida, ela diz que o governo do presidente Lula iria realizar uma vacinação compulsória dos brasileiros -o que não ocorreu.
- As participantes discutem, então, como combater a vacinação. Uma delas conta ter obtido nos Estados Unidos um cartão falso de vacina da Pfizer. Outra sugere fraudar o ConecteSUS: "Contrate um hacker para colocar no ConecteSUS. Ou fala que o celular foi roubado e não tem como mostrar".
- Por fim, outra integrante do grupo admitiu conhecer um esquema de fraudes do certificado. A PF considerou o diálogo relevante, já que Gabriela Cid também emitiu certificado falso da vacina.
Meu marido tem um amigo que faz parte de um grupo chamado 'não vacinados'. Eles todos têm o ConecteSUS. Rs. Vou descobrir o esquema
Participante de grupo de WhatsApp encontrado no celular de Gabriela Cid
'Já tomei minhas doses kkkkk'
- Em janeiro deste ano, Gabriela enviou a seu irmão uma notícia sobre a vacinação obrigatória dos golpistas presos no 8 de janeiro e criticou a ação. "Criminoso vc ser obrigado [a se vacinar]", escreveu Gabriela.
- O irmão, então, questiona o que ela faria se estivesse naquela situação. Gabriela ironiza o fato de possuir um certificado falso de vacina: "Já tomei minhas doses kkkkk". Gilberto também envia uma mensagem com risos.
- Gabriela, em seguida, afirma: "Tenho que andar com o cartão [de vacinação]".
- Sobre esse trecho de diálogo, a PF afirma que "Gabriela e Gilberto, em tom aparentemente sarcástico, conversam sobre as exigências da comprovação de vacinação em alguns casos. Cabe ressaltar que Gabriela Cid e Gilberto, apesar de aparentarem não terem sido vacinados, afirmam possuir o cartão de vacinação".
'Aqui ninguém rela nos meus filhos'
- Filha do general do Exército Villas Bôas, Ticiana Villas Bôas manifesta concordância com as ideias de Gabriela Cid contra as vacinas. Em novembro de 2022, Gabriela envia à amiga uma mensagem sobre documentário com notícias falsas a respeito do imunizante e comenta: "E ainda querem vacinar bebês".
- Ticiana responde: "Aqui ninguém rela nos meus filhos. Nem em mim".
- Também em novembro, Gabriela Cid enviou mensagem de áudio à esposa de um militar disseminando informações falsas sobre supostas mortes ocorridas após o uso de vacinas:
Você vê até com relação à vacina... é... eles querem porque querem impor a vacinação. Inclusive agora, até em criança. E a gente tá vendo... a quantidade de gente que tá morrendo... é... a gente tá vendo tudo, né? (...) Eu vou confiar, sei lá, numa Anvisa, por exemplo, entendeu? Eu não confio em ninguém. Eu não confio, já há muito tempo eu falo, o meu medo é que comecem a administrar vacina pra tal coisa dizendo que, vamos supor, uma poliomielite, sei lá, qualquer coisa, eu não tô falando da pólio, né? Eu só citei essa doença assim porque eu lembrei dessa doença. Mas assim, o meu medo é administrarem, né? Uma vacina de covid dizendo que é outra, a gente tá sendo enganado, sabe? Há muito tempo eu penso nisso. Porque não dá pra confiar em ninguém, não dá, não dá há muito tempo
Gabriela Cid, em mensagem de áudio de WhatsApp obtida pela PF
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OUTRO LADO
Procurada, Gabriela Cid afirmou que não comentaria o assunto porque não teve acesso ao relatório. O novo advogado de Mauro Cid, Cezar Bitencourt, não retornou aos contatos da reportagem.
Em seu depoimento à PF, Gabriela Cid admitiu que seu cartão de vacinação possuía dados falsos, mas diz que não solicitou a fraude a Mauro Cid e que não sabe como ele realizou essa operação. Cid ficou calado à PF em seu depoimento sobre o assunto, prestado em maio.
Ticiana Villas Bôas não respondeu aos contatos.
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