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Ministério da Saúde vai pagar R$ 300 milhões a mais em compra sob suspeita

O Ministério da Saúde aceitou pagar cerca de R$ 300 milhões a mais do que o previsto inicialmente em uma licitação para a compra do medicamento imunoglobulina, realizada nesta quinta-feira (25).

Procurado, o ministério negou irregularidades e disse que a licitação seguiu os requisitos legais (leia a íntegra da nota no fim da matéria).

O UOL mostrou nesta semana que o pregão a ser realizado apresentava risco de superfaturamento porque as empresas se negaram a negociar os preços, e o Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) apontou suspeitas de atuação em cartel das concorrentes para obter um sobrepreço.

No início do mês, o ministério lançou um pregão eletrônico para realizar a aquisição de 817 mil unidades do medicamento, estabelecendo um preço máximo de R$ 1.028. Esse preço de referência tinha sido calculado com base nos valores de mercado e de contratos já existentes. As empresas concorrentes, entretanto, ofereceram valores acima e a licitação fracassou.

Nesta quinta, o ministério reabriu o pregão e aceitou pagar R$ 1.400 pelo frasco da imunoglobulina —valor 36% acima do limite inicialmente estabelecido pela pasta. Com isso, o custo da contratação saiu de R$ 840 milhões para cerca de R$ 1,143 bilhão.

O medicamento é usado para o tratamento de pacientes com doenças imunossupressoras.

Durante o pregão, os representantes do ministério tentaram negociar uma diminuição desse valor, mas o máximo que conseguiram foi o valor de R$ 1.400 por unidade. Duas empresas aceitaram vender o produto por esse valor e foram consideradas vencedoras: a ASP Farmacêutica e a Grifols Brasil.

Elas, entretanto, disseram não ter disponível toda a quantidade de medicamentos solicitada pelo ministério. Isso abre brecha para que a pasta tenha que comprar o medicamento de outras empresas que ofereceram preços maiores na licitação, para totalizar as 817 mil unidades demandadas.

As documentações das empresas ainda serão analisadas para que os contratos de compra sejam assinados.

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Disputa entre empresas nacionais e estrangeiras

As dificuldades na licitação envolvem uma proibição da participação de empresas estrangeiras, que oferecem a imunoglobulina sem ter ainda um registro do produto junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas apresentam preços menores. O assunto colocou em lados opostos o TCU e o STF.

Historicamente, o Ministério da Saúde tem enfrentado dificuldades na aquisição da imunoglobulina. No ano passado, o plenário do TCU julgou um processo sobre o assunto e decidiu liberar a compra da imunoglobulina das empresas estrangeiras por causa do preço inferior ao das empresas brasileiras.

Mas essa decisão do plenário do TCU foi suspensa por uma decisão individual proferida no mês passado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kássio Nunes Marques. Em resposta a um pedido de uma das concorrentes brasileiras da licitação, Nunes Marques suspendeu a decisão do TCU e determinou que as empresas estrangeiras que vendem a imunoglobulina sem registro na Anvisa não poderiam concorrer na licitação.

Antes de proferir a liminar, o ministro do STF levou o assunto para julgamento no plenário virtual, mas a análise foi interrompida por um pedido de vista de Dias Toffoli. Dias depois, Toffoli devolveu o processo para julgamento, mas retirou o caso de pauta pouco antes do recesso. Por entender que havia urgência em tomar uma definição antes do recesso por causa do andamento da licitação, Nunes Marques proferiu a decisão individualmente.

A Hemobrás, estatal vinculada ao Ministério da Saúde, começou recentemente a produzir imunoglobulina, mas ainda em quantidade insuficiente para atender a demanda nacional.

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Na representação apresentada ao TCU, o subprocurador Lucas Furtado apontou que a vedação das empresas estrangeiras só poderia ser feita caso houvesse a "normalização do fornecimento de produto nacional a preço razoável".

As três melhores propostas da primeira licitação, na faixa dos R$ 700 por unidade, foram de empresas com produtos importados que ainda não tinham registro na Anvisa, por isso elas foram desclassificadas, com base na decisão de Nunes Marques. Os valores estavam cerca de 30% mais baratos do que o preço de referência do ministério.

Outro lado

Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que a licitação "cumpre estritamente a legislação brasileira".

"O Ministério da Saúde informa que o edital aberto cumpre estritamente a legislação brasileira, em conformidade com a decisão do STF, com participação de empresas com registro no Brasil. O pregão para a compra de imunoglobulina está em curso e o valor de referência é calculado com metodologia definida em instrução normativa", diz a pasta.

O ministério também afirmou que é "importante reforçar que a participação de empresas sem registro é uma excepcionalidade diante de situações de emergência ou específicas do mercado farmacêutico. Trata-se de um cenário mercadológico distinto para pesquisa de preço".

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A ASP Farmacêutica argumentou que a nova licitação usou regras diferentes para cálculo do valor máximo porque desconsiderou o preço dos produtos que não tinham registro na Anvisa. Por isso, o cálculo do ministério aumentou o valor aceito.

"O Pregão Eletrônico anterior, PE 90.005/2024, foi realizado utilizando regras diferentes do pregão de hoje, estabelecendo o preço máximo de R$ 1.028,00. O parâmetro utilizado para cálculo do VMA (teto) no pregão anterior foi exclusivamente as vendas de produto sem registro na Anvisa ao Ministério da Saúde. Nesse cálculo não se utilizou os preços praticados na época para venda de produtos com registro aos órgão públicos", diz a empresa.

Prossegue na nota: "O preço final praticado pela Biopharma Plasma, representada pela ASP-Farmacêutica, no certame de hoje, PE 90.051/2024, foi exatamente o valor estabelecido como aceitável pelo Ministério da Saúde, ou seja R$ 1.400,00. Aproveitamos para informar que a Biopharma não participou do pregão anterior (PE 90.005/2024) porque ainda não possuía preço aprovado pela CMED. No pregão de hoje (PE 90.051/2024), se levarmos em conta os preços dos demais licitantes que ofertaram produto com registro, que inclusive participaram do pregão anterior (PE 90.005/2024), a presença da Biopharma trouxe uma enorme economia ao erário".

A Grifols Brasil não respondeu aos contatos.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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