Amanda Cotrim

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Reportagem

Embaixada da Venezuela no Chile tem vigia 24 h, caminhões de água e tensão

A embaixada da Venezuela em Santiago, no Chile, no bairro residencial de Providencia, está sendo vigiada 24 horas por dia, sem data para que os policiais deixem o local. "Ficaremos aqui até que a situação lá [Venezuela] seja normalizada", disse um policial que fazia segurança da região.

A área foi cercada e o trecho da rua interditado. Um caminhão de jato de água da polícia intimida quem passa por ali. Perguntados, os policiais que faziam a segurança do local disseram à reportagem que o caminhão estava ali para reprimir qualquer tentativa de invasão e vandalismo na embaixada. "Estamos aqui para garantir a segurança da via pública, da população e do patrimônio. O maior temor é que a embaixada possa ser queimada", revelou o policial, que não quis se identificar.

Nos muros da residência, ainda havia as marcas de tinta vermelha, de um protesto de venezuelanos no início da semana.

Marca de tinta vermelha na embaixada da Venezuela no Chile
Marca de tinta vermelha na embaixada da Venezuela no Chile Imagem: Amanda Cotrim/UOL

Os protestos ocorreram dias depois do resultado do Centro Eleitoral Nacional da Venezuela que declarou a reeleição de Nicolás Maduro, no dia 28 de julho. Alguns dos cartazes dos manifestantes que se concentraram na embaixada pediam "ajuda" e apontavam "fraude eleitoral".

Nicolás Maduro, em resposta ao presidente chileno Gabriel Boric — que questionou o processo eleitoral da Venezuela e a transparência das atas — ordenou a saída do corpo diplomático venezuelano do Chile e expulsou os embaixadores chilenos de Caracas. O então embaixador na Venezuela, Arévalo Méndez, chegou a gritar "morte ao fascismo" antes de deixar o prédio diplomático.

Além do Chile, Maduro também expulsou o corpo diplomático da Argentina, Uruguai, Peru, Costa Rica, Panamá e República Dominicana.

Em comunicado oficial, a Embaixada da Venezuela no Chile afirmou que, desde o dia 29 de julho, suspendeu todos os trâmites aos venezuelanos — como passaportes, vistos e outros documentos essenciais à comunidade venezuelana que vive no Chile, sendo a maioria refugiados.

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De acordo com dados oficiais, ao menos 700 mil venezuelanos estão refugiados no Chile.

"A voz da maioria não foi ouvida"

 Jarimar e Andreina, refugiadas venezuelanas que vivem no Chile
Jarimar e Andreina, refugiadas venezuelanas que vivem no Chile Imagem: Amanda Cotrim/UOL

Andreina Silva, 33, migrou para Santiago em 2022. Ela saiu de Táchira, fronteira da Venezuela com a Colômbia, em busca de "condições de sobrevivência". Disse que tem parentes em Bogotá, mas queria ir para um país estável economicamente e "minimamente seguro". Atualmente, ela trabalha em uma lanchonete de comida venezuelana em frente à embaixada de seu país, cujo dono é um chileno.

Andreina não tem passaporte e contou que estava no processo de tramitação do documento. Ela também ainda não tem residência chilena. Apreensiva, disse lamentar a decisão do governo de Maduro que, segundo ela, é um ditador. Andreina não concorda com o resultado das eleições e desconfia da transparência dos resultados: "Eu não pude votar, mas teria votado em Edmundo González. Óbvio. A voz da maioria não foi ouvida".

Perguntada sobre o que ela acha que acontecerá com seu país, diante dessa crise política, a atendente baixou a cabeça e ficou em silêncio. Em seguida, reagiu: "As pessoas vão seguir morrendo de fome. Porque isso já acontece. A gente ainda tinha mais condições, éramos classe média normal, com colégio privado, convênio médico. Mas os mais pobres estão morrendo. Não tinha medicamento, comida, não tinha nada. Querem nos matar", desabafou.

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Jarimar Finor, 30, migrou com o marido e os dois filhos. Ela é de Maracaibo, noroeste venezuelano. Também trabalha na lanchonete venezuelana junto com sua compatriota. Mais inconformada com o processo eleitoral venezuelano, ela disse que o maior problema do país é o econômico.

"Somos milhões de refugiados e seremos mais. O problema desse governo é que ele acabou com a economia. Não me importa que dizem sobre ser ditador, porque as pessoas querem ter trabalho, poder comprar suas coisas, ter liberdade para empreender. Esse é o problema de Maduro. Ele quer que tudo fique com o Estado e não nos deixa progredir."

Jarimar e Andreina disseram que escolheram o Chile para migrar por ser "o país da região que tem melhor economia". Mesmo sendo um dos países mais caros da América do Sul, elas disseram que conseguem trabalhar e ter qualidade de vida, diferente da realidade que tinham na Venezuela. "Eu consigo me manter aqui e ainda enviar dinheiro para minha família lá", disse Andreina, que migrou com alguns parentes, mas que tem seus pais na terra natal.

"Boric deveria ajudar os refugiados"

De acordo com o cientista social chileno, Diego Velásquez, o presidente chileno tem sido criticado internamente por "governar pelo Twitter": "Dentro da própria esquerda, Boric está sendo questionado sobre sua postura em relação a Venezuela. Ao invés dele ficar discursando no Twitter, por que ele não facilita o processo de residência dos refugiados? Quer ajudar os venezuelanos? Tramitar os documentos deles seria mais útil", avaliou o especialista.

A expectativa do governo chileno era de que houvesse mais protestos essa semana, no contexto da visita do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente Gabriel Boric. Até por isso a segurança no prédio da embaixada venezuelana foi reforçada essa semana.

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Os dois presidentes, apesar de serem de esquerda, têm tido posicionamentos divergentes sobre a crise política na Venezuela. Enquanto o presidente chileno diz que só reconhecerá o resultado das eleições venezuelanas quando a checagem foi feita por organizações independentes, o presidente Lula se posicionou com mais cautela e chegou a minimizar a polêmica sobre a falta de transparência do processo eleitoral na Venezuela, dizendo que é "algo normal".

Em sua visita ao Chile, na última segunda (5), o presidente Lula foi perguntado por jornalistas que o aguardavam do lado de fora de seu hotel, sobre o Edmundo González ter se autoproclamado presidente eleito da Venezuela. De modo irônico, o presidente brasileiro respondeu que "o cara nem tomou posse ainda e você já quer que eu fale".

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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