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Gol com Oxóssi e diversidade sexual: Atletas mostram quem são em Tóquio
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Para quem está triste com o número de vidas perdidas na pandemia e aborrecido com este governo, responsável pelas mortes evitáveis, não será fácil se animar com os Jogos Olímpicos de Tóquio, que começam oficialmente amanhã (23).
Ainda mais depois que a camisa da seleção foi eleita o uniforme oficial dos apoiadores do atual presidente, símbolo do negacionismo. Mas, às vésperas do seu início, a competição criada pelos gregos para homenagear os deuses mostrou seu poder e surpreendeu o Brasil. Esta semana fomos apresentados a razões para acompanhar essa Olimpíada e até ter esperança neste país.
Até agora os motivos estão em três atletas que, além da qualidade olímpica, destacam-se fora dos campos e das quadras. A sempre extraordinária Marta, o atacante Paulinho e o ponteiro da equipe de vôlei Douglas Souza já conquistaram o pódio de muitos brasileiros, que resolveram dar uma chance para essa Olimpíada por conta do posicionamento desses atletas.
Apesar dos esportes deles serem coletivos, e de cada equipe representar toda a nação, tem muita gente interessada em torcer por esses atletas individualmente, dada a postura de afirmação e autenticidade que eles representam.
É possível que eles contagiem a delegação brasileira e outras surpresas positivas aconteçam. A sede dos jogos, inclusive, é bem apropriada para expressões da diversidade e do enfrentamento ao preconceito.
Posicionamento dos atletas
Geralmente competições mundiais, como a Copa do Mundo e Olimpíadas, mobilizam os brasileiros a torcerem para que o país, ao menos no esporte, consiga vitórias. A união pela camisa verde-amarela faz esquecer, temporariamente, as diferenças que muitas vezes geram desigualdades e violências entre os nascidos neste mesmo país.
Acontece que, cada vez mais, atletas estão dispostos a não esconder essas diferenças. Seja para denunciar discriminações ou simplesmente para assumir a felicidade de serem o que são —atletas brasileiros estão utilizando seus espaços de visibilidade para enaltecer a diversidade que existe em nós, e com isso cobram o respeito. Ou ao menos tentam.
"Por tudo que nosso país já sofreu, temos não só o preconceito com religiões de matriz africana, mas também de outras naturezas, como de raça, gênero e orientação sexual. Como uma pessoa que tem voz, eu não posso me dar o direito de permanecer calado. De não me posicionar diante de preconceitos e negligências."
Este é um trecho de uma carta de Paulo Henrique Sampaio Filho, o Paulinho, publicada no The Player's Tribune.
Autor do quarto gol do Brasil contra a Alemanha, derrotada hoje por 4 a 2, Paulinho comemorou com uma homenagem a Oxóssi.
Filho do Orixá caçador, patrono das matas, o jogador fez o gesto de atirar com um arco e flecha. Oxóssi é consagrado pela mira certeira. É tido como aquele que vence o inimigo com uma única flechada.
No texto publicado no The Player's Tribune, o jogador carioca falou da relação dele e da família com o candomblé e umbanda, considerada por ele uma filosofia de vida.
"Uma coisa bem pessoal, que toca o meu coração. Sou eu comigo mesmo, entende? Cultuar essa filosofia me traz muita energia boa, muito axé", escreveu o atleta de 21 anos, que ganhou projeção no Vasco e atualmente defende o Bayer Leverkusen da Alemanha.
Trata-se de um depoimento bem diferente da maneira como a sociedade brasileira trata as religiões de matriz africana, historicamente associadas a práticas ruins, alvo de agressões, zombarias ou invisibilidade.
No futebol, por exemplo, não há registro de outro jogador que tenha manifestado sua fé nos orixás. Ao contrário, o que se vê nos campos e nas entrevistas são, exclusivamente, expressões da fé cristã.
Em junho, quando foi convocado oficialmente para a seleção olímpica, Paulinho já tinha manifestado sua fé, quando escreveu nas redes sociais: "Nunca foi sorte, sempre foi Exú!". Para alegria dos adeptos do candomblé que buscam representatividade entre os ídolos.
Na carta, Paulinho também rompeu com o silêncio dos jogadores da seleção brasileira em relação aos problemas sociais e políticos do país. Criticou o atual governo e a gestão da pandemia. E demonstrou compreender a importância que o esporte tem para o Brasil neste momento.
"Rezo todos os dias para que Exu ilumine o Brasil e os nossos caminhos. Que os orixás nos deem forças pra buscar essa medalha de ouro. O brilho dela seria um alento para o povo brasileiro após tantos meses de caos no país."
Axé, Laroyê. É o que queremos e precisamos.
Expressão de diversidade no vôlei masculino
Bastaram alguns vídeos curtos postados nas redes sociais para o atleta Douglas Souza conquistar a atenção de muitos torcedores. Muitos que já tinham abandonado o interesse pelo vôlei brasileiro por conta de alguns atletas, que manifestaram posicionamentos conservadores como o apoio ao presidente, negação à ciência e até rejeição à diversidade sexual, como a discriminação a atletas trans.
Para atrair mais de um milhão de seguidores para o seu perfil, Douglas, 25, precisou apenas compartilhar com o público a sua alegria de participar da competição, expressando de forma livre e irreverente, seu jeito ser, sem as amarras impostas pela sociedade e cobradas aos atletas.
Campeão olímpico em 2016 e um dos destaques da última Superliga, quando defendeu o Taubaté, Assumidamente gay, Douglas fala abertamente sobre seus gostos, seu relacionamento com o namorado, mostra o cotidiano da concentração, com direito até a desfile na quadra.
Quantos atletas LGBTQIA+ embarcaram para Tóquio tendo de esconder no armário sua orientação sexual, em nome de uma heteronormatividade opressora?
Veja os vídeos e conheça, quem é Douglas Souza, atleta que quase quebrou a cama da Vila Olímpica.
O que não deveria ser novidade
Da experiente jogadora Marta, 35, veio a primeira alegria brasileira desses Jogos Olímpicos.
Na estreia do futebol feminino, na quarta-feira (21), o Brasil bateu a China por 5 x 0 —na goleada, Marta marcou dois gols.
Eleita pela Fifa seis vezes como a melhor jogadora de futebol do mundo, Marta agora é a primeira atleta a marcar gols em cinco edições dos jogos olímpicos.
Há muito tempo, Marta vem denunciando as dificuldades que as mulheres enfrentam no futebol, com menos apoio e salários bem abaixo das milionárias cifras dos atletas masculinos.
Em Tóquio, será mais uma oportunidade para o Brasil reconhecer o talento das mulheres, que superando barreiras, vem garantindo importantes pódios a cada edição da competição.
Parece óbvio, mas é preciso afirmar que o Brasil Verde e Amarelo também é das mulheres, dos gays e do povo do candomblé. Além do respeito, esse deve ser um motivo de orgulho para nós. O apoio popular que estes atletas têm recebido mostra que o Brasil é muito mais que uma minoria reacionária, que rejeita as diferenças.
Como bem expressa a canção Seu Zé, de Marisa Monte, Nando Reis e Carlinhos Brown: "O Brasil não é só verde, anil e amarelo. O Brasil também é cor-de-rosa e carvão".
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