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Com negros e brancos: Líder do Olodum defende nação arco-íris de Mandela
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"Animai-vos povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que seremos todos irmãos, tempo em que seremos todos iguais."
Esta é uma das frases dos panfletos espalhados por Salvador em 12 de agosto de 1798, há exatos 223 anos, conclamando a população a um levante contra as injustiças sociais e pela igualdade.
Os ideais da Revolta dos Búzios, mais de dois séculos depois, inspiram trajetórias de militantes como João Jorge Rodrigues, 65, presidente do grupo cultural Olodum.
No próximo dia 17 de agosto, será lançado o livro 'Fala Negão - um discurso sobre igualdade', que reúne artigos, conferências e entrevistas de João Jorge sobre essa temática cada vez mais urgente no Brasil e no mundo.
Advogado e mestre em Direito Público pela UnB (Universidade de Brasília), João Jorge é também autor do livro 'Olodum Estrada da paixão', de 1996, e organizador da publicação que reúne as letras das músicas do Olodum de 1984 a 2018.
Além de ser responsável por diversos temas para o desfile do bloco no carnaval, entre sagas de civilizações antigas africanas a problemas sociais contemporâneos.
Vitórias olímpicas não garantem direitos
Em entrevista à coluna, ele destaca que o livro traz um olhar para a igualdade do ponto de vista de um homem negro, que há quase 40 anos, lidera uma organização reconhecida internacionalmente por promover, por meio da música, uma mensagem de paz e união entre os povos.
É urgente discutir a igualdade no Brasil, um país onde você pode disputar e ganhar medalhas em uma olimpíada em um dia e no outro não poder entrar em uma padaria sem ser discriminado.
João Jorge, presidente do Olodum
Ele vibrou com a conquista do ouro em Tóquio pelo boxeador baiano Hebert Conceição, especialmente pela comemoração da vitória ser animada pela música Madiba, feita pelo bloco em homenagem a Nelson Mandela.
"É a confirmação de que a mensagem do Olodum chegou, tocou na identidade dele. Um jovem negro, da periferia, que se reconheceu na história de Mandela contada pelo Olodum, uma inspiração para tantos jovens negros como ele."
União por uma 'nação arco-íris'
Mandela também inspira João Jorge a buscar estratégias pacifistas de lutar contra as injustiças e a crença em uma "nação arco-íris", "que junta pessoas de todas as cores, sem distinções".
Desde a universidade, na década de 1970, aprendi com os africanos que convivi que a revolução não poderia ser baseada na cor da pele. Os países que conseguiram o poder centrados na questão racial não conseguiram enfrentar os graves problemas sociais e a desigualdade."
Em contraposição, ele cita a África do Sul, onde Mandela incluiu todas as etnias na reconstrução do país, com o sonho de criar uma "nação arco-íris".
Além do ex-presidente sul-africano, os textos reunidos no livro trazem referência a autores e líderes africanos e da diáspora negra, como Kwame Nkrumah, Sékou Touré, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel, Frantz Fanon, Abdias Nascimento e outros. Além do reconhecimento de figuras anônimas que foram essenciais para a construção e fortalecimento do Olodum.
Ele propõe um diálogo dos pensadores de países onde conheceu a realidade de perto nas turnês do Olodum com a experiência de quem sofre o racismo no Brasil, especialmente em Salvador, cidade mais negra fora do continente africano e com um cotidiano extremamente marcado pelo racismo.
Mesmo diante da violência racial sofrida por integrantes do Olodum —o livro relembra casos de músicos que sofreram agressões por parte da polícia baiana— e da dificuldade que o grupo passa para se manter no desigual mercado da música, João Jorge propõe o diálogo inclusivo e não violento.
"Acreditamos que o enfrentamento a todas as formas de opressão é uma tarefa para negros, brancos e mestiços. Ninguém pode ficar de fora. Somente a união de todos terá força para combater o racismo."
Revolta dos Búzios: 1º clamor por liberdade total
No livro, há passagens sobre a Revolta dos Búzios e as diversas homenagens já feitas pelo Olodum a esse movimento revolucionário que, como defende João Jorge, reuniu africanos, negros e mestiços brasileiros, brancos pobres e pessoas de diferentes religiões como os muçulmanos e adeptos do candomblé.
"O que queriam os negros e mulatos de 1798 ainda está por acontecer: a igualdade de oportunidades. A Revolta dos Búzios nos humaniza de novo, pois nos mostra homens e mulheres negros envolvidos com a construção da igualdade, da democracia, da abolição da escravatura e escrevendo os primeiros documentos brasileiros a clamar por liberdade total".
Pauta racial marcou projeto de revolução democrática no Brasil há 222 anos.
Do Maciel Pelourinho para o mundo
A própria história do Olodum pode confirmar essa ideia de igualdade. O grupo, que atualmente possui, além da banda, diversos projetos sociais, foi criado em 1979, no Maciel Pelourinho, região até então discriminada de Salvador, por ser habitada pelos marginalizados da sociedade, como prostitutas e trabalhadores informais.
"Rompendo com os estereótipos negativos do local, sem discriminar ninguém, o Olodum se tornou essa força cultural, essa voz pela igualdade e espalhou este discurso pelo mundo."
A banda já tocou em 40 países, de quatro continentes, e é responsável por atrair visitantes de todas as partes ao Pelourinho, incluindo astros como Michael Jackson e Spike Lee.
João Jorge sabe que seu discurso destoa de outros ativistas e organizações antirracistas que centram no protagonismo negro e não permitem, por exemplo, um artista branco na ala de canto, como faz o Olodum.
Questionado se acredita que o caminho para a tão almejada igualdade é uma realidade próxima ou uma utopia, ele responde de forma otimista.
"Não é simples, não é fácil e não termina logo ali. Já avançamos muito. Estamos no meio do caminho. Depende de cada um de nós."
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