Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
E se 20 de novembro fosse também o dia da consciência para os brancos?
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A data de hoje, 20 de novembro, feriado em algumas cidades brasileiras, deveria servir de reflexão e aprendizado sobre o racismo, especialmente, para pessoas não negras. Deveria ser um dia de consciência para todos aqueles que se importam com a luta antirracista.
Os dicionários informam que consciência é a capacidade que o ser humano tem de compreender e vivenciar os fatos do mundo exterior e as suas próprias experiências. "Ter consciência é saber da sua própria existência e estar ciente das consequências de suas ações."
Tão necessária quanto a consciência negra é a tomada de consciência pelos brancos da sua participação na manutenção ou no combate ao racismo.
Data da imortalidade de Zumbi dos Palmares
Há pelo menos 50 anos, o movimento negro brasileiro tem utilizado a expressão "consciência negra" para falar da importância do conhecimento da sua história, dos seus direitos e da resistência ao racismo.
A data de hoje foi escolhida por representar a persistência do projeto de quilombo mais exitoso no país, Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, que durante quase um século foi o espaço de união de um povo contra a escravidão.
Palmares foi destruído pelo colonialismo em 20 de novembro de 1695, com o assassinato de seu líder, Zumbi, tornando-se sementes de outros agrupamentos de homens e mulheres livres, e inspiração para outros levantes e lutas por cidadania até os dias de hoje.
Desde então, muito se avançou na autoafirmação e reconhecimento dos negros e na não aceitação das narrativas distorcidas sobre as heranças africanas e a contribuição negra na formação do povo brasileiro.
Com muita resistência, estreitamos nossos laços com os países da África, assumimos e nos orgulhamos dos nossos traços físicos, como a cor da nossa pele e a textura dos nossos cabelos, e adentramos espaços até então restritos, como as salas das universidades e os meios de comunicação, disputando a produção do conhecimento e da informação.
A consciência negra avançou, falta a consciência branca
Ainda há muito a se reparar os anos de narrativas falsas que nos legaram uma representação negativa da nossa cultura, nossos costumes e nossos saberes, associados ao que é feio e marginal. Muitos negros ainda precisam tirar de seus olhos o véu branco que impende enxergar sua própria luz, seu talento e dignidade. Mas avançamos em termos de consciência negra.
O que trava ainda a igualdade neste país é a ausência de uma consciência branca sobre a realidade racista que ainda impera na sociedade brasileira.
É o reconhecimento por parte daqueles que gozam de privilégios possibilitados pelo racismo, do lugar de poder que ocupam e da possibilidade que têm para reverter essa situação.
O dia 20 de novembro ainda se torna necessário para todos aqueles que não conseguem assumir que vivemos em um país estruturado pelo racismo, que se apresenta de forma institucionalizado e orienta práticas individuais e coletivas de exclusão.
O entendimento dessa estrutura nos ajuda a compreender que a preocupação em não agir de forma racista é importante, mas não é suficiente. É preciso se comprometer, do seu lugar e com suas possibilidades de atuação, com a mudança desta estrutura. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.
É a consciência de perceber que o racismo não é um problema exclusivo das pessoas negras. Não se preocupar com o racismo é um privilégio da branquitude. Não são as vítimas as únicas responsáveis em agir, denunciar e encontrar formas de superação desse mal.
Em toda a história da presença negra no Brasil há exemplos de iniciativas negras para combater o racismo, inclusive buscando o diálogo e o alerta de toda a sociedade. Agora é a vez da ação dos não negros, que têm em mãos mecanismos para combatê-lo, já que as hierarquias raciais os permitiram privilégios sociais e espaços de poder na política, do mercado empresarial, nas forças de segurança, no campo da educação, da cultura e da comunicação.
Uma consciência branca, ou de pessoas brancas, nestes espaços faria muita diferença no combate ao racismo.
Racismo mata
O 20 de novembro continuará sendo necessário até que mais brancos percebam que o racismo não é mimimi, não é vitimismo nem motivo de piada. Não dá para se divertir com o que ofende, impede, imobiliza, cerceia, traumatiza e mata.
Sim, racismo mata.
É possível falar em um genocídio negro no Brasil por conta do número de mortes que têm como principal alvo pessoas pretas: da violência diária das operações da segurança pública nas comunidades e territórios negros; na desastrosa guerra às drogas; na mortalidade infantil que atinge mais bebês pretos; na falta de acesso à saúde e às condições sanitárias básicas; e, sobretudo neste momento, na miséria, na insegurança alimentar e na fome.
Mais um 20 de novembro pode ser muito útil para se entender mais sobre esse grave problema brasileiro e tomar consciência das atitudes pessoais e coletivas. Uma reflexão que leva a considerar que, assim como há uma identidade forjada na negritude, há práticas e costumes que se constituem como uma branquitude.
Negritude e branquitude são consequências do racismo, porém a primeira é uma forma de tentar superá-lo.
Tem muita gente que já desistiu de esperar essa empatia. Muitos podem considerar este texto uma ilusão. Com razão. Basta olhar para nosso passado de violências raciais e as continuidades e persistência no presente.
Minha esperança se apoia na nossa própria história de insistências e tentativas. Em momentos muito piores, acreditamos.
Muito já foi produzido de informação, denúncia e possibilidades de superação. Está tudo registrado em livros, filmes, manifestos, marchas, teses, políticas públicas, músicas, artes e na trajetória de pessoas negras que ainda estão dispostas a contribuir para que o combate ao racismo se torne uma consciência coletiva.
O 20 de novembro existe para nos lembrar que é possível.
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