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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Solidariedade seletiva de Bolsonaro é licença para violências e mortes

Bolsonaro simula uma arma de fogo. Foto: Agência Brasil - Bolsonaro simula uma arma de fogo. Foto: Agência Brasil
Bolsonaro simula uma arma de fogo. Foto: Agência Brasil Imagem: Bolsonaro simula uma arma de fogo. Foto: Agência Brasil

Colunista do UOL Notícias

23/07/2022 04h00

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O Rio de Janeiro presencia a quarta chacina mais letal da história. Desta vez, 19 pessoas foram mortas durante operação policial no Morro do Alemão, nesta quinta-feira, 21.

Entre as vítimas, o cabo Bruno de Paula Costa, de 32 anos, que trabalhava na Unidade de Polícia Pacificadora. O policial militar, há 8 anos na corporação, deixa esposa e dois filhos autistas.

Em meio à tragédia, Bruno foi o único que recebeu palavras de solidariedade do presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro lamentou a morte do "colega paraquedista", como se referiu, e ignorou as outras 18 vidas perdidas. Mas o presidente sabe, ou deveria saber, que todas as pessoas mortas, inclusive o cabo, são vítimas da mesma política de segurança pública que tenta, sem sucesso, combater o tráfico de drogas com emprego de violência desmedida em comunidades com grande número de moradores.

Com o assassinato do Cabo Bruno, chega a 32 o número de agentes de segurança mortos em ações violentas no Rio de Janeiro.

Os polícias envolvidos nessas ações sem inteligência correm elevado risco de morte. Assim como todos os moradores que, de repente, têm as ruas de acesso às suas residências, e os próprios imóveis, tomadas por rajadas de bala.

No caminho entre a polícia e quem comete delito, estão pais e mães de família que deslocam-se para o trabalho, estudantes a caminho da escola, idosos e crianças circulando pelas ruas, em risco ao exercer o direito constitucional de ir e vir com segurança.

Organizações, inclusive internacionais, e estudiosos de segurança pública já alertaram inúmeras vezes a ineficácia dessas ações e denunciaram a letalidade, que inclui inocentes entre moradores e policiais. O STF (Supremo Tribunal Federal), órgão máximo da justiça no país, já determinou a restrição de operações em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia.

Mas nada impede que elas continuem acontecendo e gerando cada vez mais vítimas.

Reportagem do UOL mostra que, em pouco mais de um ano, ocorreram três das cinco maiores chacinas policiais da história do estado do Rio de Janeiro. Entre elas, a Chacina de Jacarezinho, ocorrida em maio de 2021, que resultou em 28 mortos, incluindo um policial: o inspetor da Polícia Civil, André Leonardo de Mello Frias.

A falta de uma palavra de uma autoridade como o presidente diante de operações sangrentas é a naturalização de uma política de violência e morte. Mesmo ao lamentar o policial morto, sem questionar a operação, o presidente contribui com a licença para que ações como essa continuem e mais vidas sejam perdidas, de fardados e de civis.

Uso eleitoral do crime em Foz do Iguaçu

Bolsonaro demonstrou a mesma solidariedade seletiva diante do assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, que comemorava o aniversário com uma festa temática do PT, no dia 9, quando foi morto pelo agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu a comemoração.

Marcelo Arruda deixou uma esposa, também policial civil, e quatro filhos, incluindo um bebê. Mas as palavras de pesar do presidente foram direcionadas apenas ao irmão da vítima, bolsonarista declarado, que foi recebido no Palácio do Planalto.

Em um crime resultante da violência extrema que vem sendo empregada por apoiadores de Bolsonaro, o presidente, candidato à reeleição, quis tirar proveito eleitoral.

Nem aí para o assassinato brutal e nem mesmo o fato de um apoiador seu ter colocado a própria vida e a de dezenas de pessoas em risco por motivação claramente política.

O mesmo fez diante da chacina do Alemão. Demonstrar solidariedade exclusivamente ao policial morto é atiçar a violência que mobiliza suas redes de apoio. O "nós contra eles" que tem tornado perigoso o processo eleitoral em curso no país.

Não há sentimentos nobres, nem preocupação com a baixa na operação policial. O que está em jogo é manter satisfeito o percentual de eleitores que concordam com os métodos de violência estimulados por Bolsonaro ao longo da sua trajetória política e fortalecidos a partir da sua campanha e eleição em 2018.

Ele nunca tentou disfarçar a indiferença diante da morte de cidadãos brasileiros, foi assim com os milhares de mortos pela Covid e, recentemente, com o assassinato dos ambientalistas Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira.

Afinal, o que ele pode fazer, ele não é coveiro? Perguntarão seus apoiadores, fazendo eco à postura desumana de Bolsonaro.

Respondo: Bolsonaro é 'apenas' o presidente da República, responsável por políticas públicas que podem garantir a segurança da população do país, além de ser um líder populista que pode utilizar seus discursos e sua rede de seguidores para estimular o respeito às vidas humanas.