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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que a desistência da mulher negra em ser mãe diz sobre consciência racial

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Imagem: iStock

Colunista do UOL Notícias

31/07/2022 04h00

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A revolta da atriz Giovanna Ewbank diante das ofensas racistas sofridas pelos filhos Titi e Bless, em um restaurante em Portugal, neste sábado, 30, é uma experiência cotidiana vivida por muitas mães de crianças negras.

Confirmando as imagens que circulam nas redes, a assessoria de imprensa do casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso informou à imprensa que uma mulher branca, que passava na frente do restaurante, xingou, deliberadamente, não só Títi e Bless, mas também a uma família de turistas angolanos que estavam no local. A agressora pedia que eles voltassem para a África, além de ofender as crianças, chamando-as de 'pretos imundos'.

Enquanto Giovanna enfrentava a racista, o marido chamou a polícia, que levou a mulher escoltada e presa. A atitude do casal foi elogiada pelo público nas redes sociais e apontada como exemplar no tratamento a quem comete este tipo de crime.

Filhos de Ewbank e Gagliasso sofrem racismo; atriz reage com tapas e cuspe.

O caso mostra que não importa a condição financeira ou o reconhecimento social, dificilmente os pais de crianças negras conseguem impedir que seus filhos passem por situações de violência geradas pelo racismo.

Este temor acompanha a vida das mulheres negras muito antes de se tornarem mães, comprometendo, inclusive, a decisão pela maternidade.

Na semana em que se celebrou o Dia da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha, em 25 de julho, as notícias nos levam à reflexão de que a esperança e o medo caminham lado a lado na vida das pessoas negras brasileiras, principalmente das mulheres.

Quanto mais se avança em tomada de consciência sobre o racismo, mais os temores comprometem a qualidade de vida e a liberdade de escolhas de quem é negro no Brasil.

Reportagem assinada por Victoria Damasceno na Folha de S.Paulo abordou o triste fato de que "Mulheres negras desistem de ter filhos por medo do racismo e proteção à saúde mental".

Os depoimentos mostram que muitas mulheres negras abrem mão da maternidade pelo temor em colocar mais uma criança negra em um mundo racista. A decisão, motivada pela preocupação diante das ameaças constantes que perseguem pessoas negras, também serve como proteção à própria saúde mental.

Racismo causa sofrimento psíquico

"Se com o filho dos outros já me dói tanto, como seria se isso acontecesse com um filho meu?", é o questionamento de uma das mulheres entrevistadas.

Como revelam especialistas em saúde, o racismo é motor de sofrimento psíquico. Para quem acompanha o noticiário diário não faltam motivos de preocupação.

Quase todos os dias, o país se depara com denúncias de preconceito racial, injúria, impedimento de acesso a direitos básicos, além da violência policial, que é um permanente medo entre as pessoas de pele escura, principalmente se morarem em comunidades pobres.

No caso de homens negros, a aflição diante da violência racial é dobrada.

Imagine a dor de uma mãe que precisa dar como conselhos de sobrevivência ao filho que tanto ama, frases como: "não corra pela rua, não faça gestos bruscos, não ande de boné, corte esse cabelo", entre outros comportamentos que seriam normais para qualquer cidadão, mas que para negros se tornam motivos da desconfiança da sociedade, gerando violência e até a morte.

Esses que sempre foram cuidados constante nas famílias negras ganham novos contornos e sentidos de urgência com o conhecimento maior sobre a perigosa engrenagem que move e sedimenta o racismo estrutural.

Por isso, a preocupação com o racismo cresce na mesma medida do avanço da consciência racial. Ou seja, quanto mais se reconhece a sua própria origem e identidade racial, mais os negros tomam conhecimento dos riscos que correm ao viver em um país tão racista quanto o Brasil.

Pretos e pardos são agora 56% da população brasileira

Os últimos dados apresentados pelo IBGE sobre a população brasileira mostram que, em dez anos (2012-2021), aumentou o número de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas.

Pelos números atualizados, pretos e pardos representam 56% da população. Já o percentual de pessoas que se declaram brancas caiu para 43%.

Ainda de acordo com o IBGE, em dez anos, a população brasileira aumentou apenas 7,6%, mas cresceu 32% o número de brasileiros que se declaram pretos e quase 11% os que se declaram pardos.

Como isso é possível?

Os números revelam alteração na autoidentificação racial —muitos que antes tinham dificuldade de se assumirem negros (soma de pretos e pardos) passaram a integrar esse contingente.

Essa maior conscientização racial é fruto de muitas ações promovidas pelos movimentos negros que passam pela condenação das narrativas e imagens negativas historicamente associadas às pessoas negras, de denúncias constantes de atitudes racistas em todos os espaços, da exigência de direitos fundamentais e de políticas afirmativas e da ampliação da educação para a diversidade.

Tomar consciência e assumir ser negro pode gerar mais medo diante dos desafios descobertos, mas também liberta das amarras impostas pelo racismo. A principal é a não aceitação da lógica que limita direitos e a não submissão aos lugares determinados pela sociedade racista.

No encerramento do Mês da Mulher Negra, um pedido por mais negros e negras conscientes, sem medo de assumirem o que são.

E que mais mulheres negras tenham a liberdade de escolher serem mães, se assim quiserem, tendo um mínimo de esperança, de que de seus filhos encontrarão uma vida digna, com direitos e oportunidades. Que o racismo não limite a vida!