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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para vencer na Bahia, ACM Neto terá que resgatar vínculos bolsonaristas

Durante primeiro turno, ACM Neto até tentou se manter afastado do presidente Jair Bolsonaro, a quem apoiou em 2018 - Alan Santos/PR
Durante primeiro turno, ACM Neto até tentou se manter afastado do presidente Jair Bolsonaro, a quem apoiou em 2018 Imagem: Alan Santos/PR

Colunista do UOL Notícias

07/10/2022 04h00

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ACM Neto (União Brasil) deve estar de "mente apertada", como dizem nas ruas de Salvador, desde domingo (2), quando o resultado das urnas contrariou as pesquisas realizadas ao longo da campanha que indicavam a vitória folgada do ex-prefeito da capital baiana na disputa ao governo da Bahia.

Somente um único instituto de pesquisa previu a força do apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na decisão do voto dos baianos, repetindo o que vem ocorrendo nas últimas quatro eleições quando o Partido dos Trabalhadores venceu na Bahia.

Apesar de ter o que comemorar, já que não sofreu o mesmo destino dos seus aliados que foram derrotados ainda no primeiro turno, ACM Neto precisará de estratégias infalíveis para reverter a distância de votos em relação ao candidato petista, Jerônimo Rodrigues, que conquistou 49,45% do eleitorado contra 40,80% do neto de Antônio Carlos Magalhães.

Para essa difícil tarefa, ACM Neto terá que contar com o voto dos eleitores bolsonaristas.

Mesmo com a ampla vitória de Lula na Bahia (69,73% dos votos), o atual presidente da República obteve a confiança de 24,31% dos eleitores do quarto maior colégio eleitoral do país. Os baianos também garantiram a João Roma (PL), ex-ministro do governo Bolsonaro, o terceiro lugar na disputa ao governo, com mais de 738 mil votos.

Neutralidade de Neto é criticada por bolsonarista

A dúvida é se os eleitores de Bolsonaro estão dispostos a votar em um candidato que não expressa publicamente adesão ao ex-capitão que ocupa a Presidência do Brasil.

No primeiro turno da eleição, Neto buscou a neutralidade diante da disputa nacional e foi confrontado pela campanha do adversário petista, que o apelidou de "candidato do tanto faz". Ou seja, em um pleito polarizado entre Lula e Bolsonaro, pouco importava ao aspirante a governador da Bahia quem seria o novo presidente do país.

A resposta dada por Neto foi o fato de ter sido prefeito de Salvador durante oito anos (2013-2020), passando por três presidentes da República diferentes: Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.

João Roma, que é compadre de Neto e foi seu chefe de gabinete na gestão municipal, criticou a neutralidade do ex-companheiro e já cobrou uma declaração pública favorável a Bolsonaro.

Durante a campanha, Roma fez duros ataques a Neto e, no último debate entre os candidatos na TV, as acusações explicitaram mágoas pela quebra de vínculos afetivos entre os dois (Neto é padrinho da filha de Roma). O ex-ministro alegou ter sido tratado com desrespeito quando era auxiliar do ex-prefeito: "Eu passei 20 anos limpando o chão para você", alegou.

"O senhor não sabe se é carne ou se é peixe, não tem posições definidas, fica apenas com sua sanha pelo poder."
João Roma acusando a neutralidade de ACM Neto

Foi também o candidato do PL o mais incisivo na exploração da polêmica autodeclaração de ACM Neto como pardo --o que garante direito à verba do fundo eleitoral destinada às candidaturas negras. O fato causou reprovação por boa parte do eleitorado baiano, além de muitas piadas e memes na internet.

"Nesses 20 anos de convivência, nunca me disse que era negão", brincou Roma durante o debate.

Bolsonaro quer palanque na Bahia

Na corrida por palanques para angariar votos na curta campanha de segundo turno, Jair Bolsonaro fez acenos públicos a ACM Neto, que já apoiou o atual presidente durante o segundo turno da eleição de 2018.

O ambiente bolsonarista não é estranho a Neto. O político baiano foi um dos condutores da fusão entre o antigo Democratas e o PSL, partido que elegeu Jair Bolsonaro, resultando no União Brasil. O atual prefeito de Salvador, Bruno Reis, liderado por Neto, mantém estreita relação com o Palácio do Planalto.

Explicitar o apoio a Bolsonaro e às pautas conservadoras pode retirar de vez as chances de o candidato que ficou em segundo lugar atrair votos de eleitores lulistas no estado na disputa do segundo turno. Além disso, dará mais munição à campanha petista que explora declarações de Neto contra o ex-presidente, incluindo uma ameaça feita no plenário da Câmara dos Deputados, em 2005, de que daria uma surra em Lula.

Os próximos dias mostrarão se ACM Neto apresentará sua face bolsonarista, aliando-se ao presidente altamente rejeitado pelo povo baiano e que acaba de fazer acusações injustas aos nordestinos, atribuindo o favoritismo de Lula ao analfabetismo da região.

Ao insistir na declaração racial, Neto já demonstrou os limites alargados do seu escrúpulo na disputa eleitoral. Não surpreenderá, portanto, se o candidato se associar ao restrito grupo de pretos e pardos que apoiam o presidente, tal qual Hélio Lopes e Sérgio Camargo.

Caso não ganhe o governo da Bahia, poderá ser um forte candidato a presidir a Fundação Cultural Palmares, em uma eventual nova gestão de Bolsonaro.