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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem tem medo da paleta de cores do BBB23?

BBB 23: Fred Nicácio puxa brothers negros para foto - Reprodução/Globoplay
BBB 23: Fred Nicácio puxa brothers negros para foto Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista do UOL

01/04/2023 04h00

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A 23ª edição do reality show mais popular da televisão brasileira, o Big Brother Brasil, já é um marco na quantidade de participantes negros —e obviamente o tema das desigualdades raciais tem sido frequente no programa.

Muita gente deve estar desatenta e não percebe que esse também é um tema recorrente nas mais diversas rodas de conversa, seja nas escolas ou nas igrejas, nas redes sociais digitais, nas notícias veiculadas na imprensa e em outras produções, como séries e telenovelas.

A mobilização constante de ativistas e movimentos sociais e o aumento da tomada de consciência por parte da população negra, maioria no contingente populacional brasileiro, tem exigido que o racismo e suas violências não sejam mais ignorados.

Por que, então, a ideia de uma foto reunindo todos os candidatos que se autodeclaram negros, de diferentes tonalidades de pele, cabelos e traços faciais, em vez de agradar por revelar a diversidade na formação étnica do Brasil, causa tanta irritação?

A foto, identificada como paleta de cores, com os oito negros que ainda restavam na casa (agora são apenas sete) recebeu acusações de segregação ou mesmo de racismo reverso —invencionice da branquitude brasileira que insiste em não levar a sério a desigualdade racial no Brasil.

Qual a dificuldade em entender a importância para aquelas pessoas de se sentirem finalmente ocupando um espaço onde outros parecidos com eles estiveram sempre ausentes ou sub-representados?

Segregação, de fato, são as fotos historicamente feitas com os candidatos das edições anteriores, como também das bancadas dos telejornais, dos apresentadores dos principais programas de auditório e dos elencos das telenovelas nesses mais de 70 anos de produções, somente na TV Globo.

"E se fosse o contrário?", perguntam alguns em tom de ironia ou total ignorância. O contrário já é o que vivemos cotidianamente em nosso país.

Já repararam as fotos dos convites dos formandos em Direito ou Medicina de importantes universidades brasileiras? Taí o contrário.

Fotos sem negros não incomodam

Se incomoda tanto uma foto de participantes negros no BBB, imagine se essa maioria negra também fosse percebida em espaços de real poder e decisão como a foto da equipe de ministros do governo, dos parlamentares do Congresso Nacional, dos presidentes das maiores empresas do país, dos membros do Supremo Tribunal Federal e de todo sistema de Justiça do Brasil?

Como escreveu a publicitária e pesquisadora sobre relações raciais, Luciane Reis, uma das fundadoras do Instituto Mídia Étnica, em seu perfil no Instagram:

O Brasil acordou hoje traumatizado e na terapia. O motivo? Uma foto do #bbb que, depois de 23 edições, tem um número significativo de pessoas negras. O interessante? A paleta de cores que dirige nosso país e continua nos tratando como colonizados não choca ou traumatiza o mesmo".

Em sua postagem, Luciane Reis mostra uma série de fotos de equipes de ministros, de deputados e senadores e de secretários estaduais e municipais, inclusive de Salvador, considerada a capital mais negra do país. E continua seus questionamentos:

O interessante é que essa paleta de cores tão naturalizada e tratada como normal pela branquidade não é um problema ou digna de reflexão. O problema são oito pretinhos em um programa de entretenimento ousar fazer uma foto juntos."

Elenco do BBB23 reflete as diferenças de posturas de pessoas negras diante do racismo

A postura do elenco negro do BBB23, pautando o racismo e apontando os comportamentos e falas racistas dos outros participantes, reflete um momento da sociedade de não mais aceitação de práticas e de exigência por direitos iguais.

A complexidade da questão é expressa em comportamentos diversos e atitudes diferentes dos negros, que vão de um polo a outro.

  • Assim como na sociedade, há pretos que tentam a todo custo, e com muito sofrimento pessoal, a conciliação, como faz a cantora Aline Wirley.
  • Já outros preferem expressar de forma didática o incômodo, como o médico Fred Nicácio.
  • Ou mesmo direto e agressivo, como o biomédico Ricardo Alface e a modelo e ativista social Domitila Barros.
  • O equilíbrio e sensibilidade da psicóloga Sarah Aline comprovam que auto estima e consciência racial fazem bem ao coletivo.
  • Ainda tem espaço para quem quer mais é curtir e tirar proveito dos estereótipos criados pelo racismo, como faz o enfermeiro Cezar Black, do bordão "Ai, preto".

Como eu mesmo já afirmei aqui na coluna, em outra edição do BBB, para quem ainda não sabe, nem "todo preto se parece". Ainda bem.

O certo é que a paleta de cores do BBB23 já é um marco na trajetória do programa e das produções da TV Globo.

Se continuarem resistindo do lado de dentro, mantendo a união mesmo nas desavenças, e aqui fora superarem o incômodo dos que preferem a manutenção das estruturas racistas que excluem os negros das fotos oficiais, poderemos ter o pódio mais preto da história e, quem sabe, o primeiro homem negro campeão (mulheres negras tivemos algumas).

Produções da Globo apostam no protagonismo negro e acertam na audiência

A prova da importância da imagem dos brothers e sisters reunidos, como registro de uma época de cobrança por representatividade e por acesso a direitos, é o aumento da audiência e do engajamento a produções que têm permitido a valorização da diversidade por meio da presença de artistas pretos e pardos.

A novela Vai na Fé, exibida às 19h na TV Globo, bateu mais um recorde de audiência na última segunda-feira (27). A trama, protagonizada por Sheron Menezzes, Samuel de Assis e um elenco de estrelas de pele escura, marcou 26 pontos de média e 40% de share (número de televisores sintonizados), maior índice alcançado na faixa desde agosto de 2021.

Além de abordar as diversas expressões religiosas, incluindo o candomblé, a novela provoca com os assuntos relacionados ao racismo e ao campo do Direito, por meio do grupo de estudantes negros que formam os aquilombados. Temas como cotas, ações afirmativas, encarceramento e violência policial são frequentes nos diálogos da novela.

O mesmo sucesso de Vai Na Fé tem sido obtido por outras produções que também apostaram na diversidade e no protagonismo de artistas negros. É o caso da série da Globoplay, Encantado's, idealizada e roteirizada por Renata Andrade e Thaís Pontes, que conquistou recentemente o prêmio da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Artes), na categoria comédia e já tem a sua segunda temporada garantida.

O argumento da série Encantado's, focada no carnaval carioca, surgiu de uma oficina de humor para roteiristas negros realizada pela Globo em 2018. Por interesse comercial ou responsabilidade social (ou ambos), a emissora tem investido nestes conteúdos e acaba de estrear outra produção que tem um negro como personagem principal.

A novela das 18h, Amor Perfeito, de Duca Rachid, Júlio Fischer e Elísio Lopes Jr. (este com uma significativa trajetória de valorização da negritude em suas obras), também vem trazendo bons resultados de audiência.

Além dos protagonistas Diogo Almeida e Levi Asaf, Amor Perfeito tem colorido a tela com o talento de nomes como Tony Tornado (do alto dos seus 92 anos de vida), Babu Santana, Juliana Alves, Antonio Pitanga, Isabel Fillardis, Bukassa Kabengele, Lucy Ramos, Alan Rocha, Mestre Ivamar, Maria Gal e outros. Talvez seja o maior elenco negro em uma trama que não aborda a escravidão.

Aviso aos desatentos: a paleta do BBB23 não só expressa uma real condição de diversidade do Brasil aos que teimam em não aceitar, como também registra o espaço de centralidade alcançado pelo debate racial, com cada vez mais pessoas negras dispostas a não retroagirem na luta por direitos e representatividade.