André Santana

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Opinião

Após 16 anos Lázaro Ramos reencontra 'Ó Paí, Ó'. Relembre o 1º filme

O ator Lázaro Ramos, que vem recebendo elogios pela sua atuação como Mário Fofoca, icônico personagem da telenovela Elas por Elas, da Rede Globo, volta a encontrar o cenário e os personagens de "Ó Paí, Ó", filme que protagonizou em 2007 e que ganhou uma sequência com estreia nos cinemas no próximo dia 23 de novembro.

Em "Ó Paí, Ó 2", o ator retorna à pele do aspirante a cantor Roque, morador do Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, onde convive com os dramas e diversões dos personagens que habitam aquele cenário tão representativo da capital da Bahia.

Mais uma vez, Lázaro Ramos divide a cena com os atores e atrizes do Bando de Teatro Olodum, grupo que integrou aos 15 anos de idade e que o projetou para uma trajetória artística de reconhecidos sucessos nos palcos e nas telas, como ator, diretor e escritor.

Depois da aguardada espera, o público poderá acompanhar as aventuras de Roque, ao lado de personagens como Dona Joana (Luciana Souza), a evangélica proprietária do cortiço, Neuzão (Tânia Toko), dona do bar mais animado do Pelourinho, o casal Maria (Valdineia Soriano) e Reginaldo (Érico Brás) e as divertidas Pissilene (Dira Paes), Yolanda (Lyu Arisson) e a Baiana (Rejane Maia).

Os personagens nasceram do talento e genialidade dos atores do Bando de Teatro Olodum em recriar em cena o cotidiano de lutas e alegrias da população negra de Salvador.

Lázaro Ramos e Bando de Teatro Olodum em Ó Paí Ó 2
Lázaro Ramos e Bando de Teatro Olodum em Ó Paí Ó 2 Imagem: Divulgação



Roque, o personagem de Lázaro Ramos, sintetiza as aspirações de artistas negros, inclusive o elenco do próprio Bando, que tentam expor suas criações, ganhar visibilidade na cena artística, sem perder os vínculos com sua comunidade e a indignação diante das mazelas sociais.

Ao longo de mais de três décadas, a companhia baiana criou uma linguagem cênica própria, baseada na performance negra, que valoriza a crítica social, a observação das ruas, da ginga e expressividade dos corpos e o deboche para enfrentar com resiliência as ameaças impostas pelo racismo.

Nesta sequência, mais de uma década se passa desde a morte trágica dos dois filhos de Dona Joana, em uma ação violenta da Polícia Militar da Bahia, em pleno Carnaval de Salvador. Enquanto vive o luto pela perda, a religiosa continua enfrentando os problemas na convivência com os inquilinos do seu velho cortiço, que agora se movimentam para garantir a preservação do badalado Bar de Neuzão.


Protagonismo Feminino

A musicalidade baiana continua em destaque na narrativa do filme, com os novos e antigos hits que animam as aventuras dos personagens. Destaque para a presença das cantoras Margareth Menezes, atual ministra da Cultura, Nininha Problemática e Alana Sarah, conhecida como A Dama do Pagode.

O protagonismo feminino da obra é encabeçado pela direção de Viviane Ferreira (Um Dia Com Jerusa, 2020), que também escreve o roteiro ao lado de Elísio Lopes Jr, Daniel Arcades e Igor Verde. Em "Ó Paí, Ó 2" o talento das mulheres é ressaltado pelas atrizes e cantoras em cena, e também na equipe que atua nos bastidores, em funções essenciais como direção de fotografia (Lílis Soares), direção de arte (Raquel Rocha), figurino (Lena Santana), montagem (Natara Ney e Guta Pacheco), entre outras profissionais.

Relembre o primeiro filme

Coloque na agenda essa importante estreia para o Cinema Nacional e antes de conferir a sequência, vale relembrar aspectos importantes do primeiro filme. Confira:

- Dirigido pela baiana Monique Gardenberq, o filme "Ó Paí, Ó" estreou em 2007 e tem o mesmo nome de um espetáculo teatral montado pelo Bando de Teatro Olodum, em 1992, com enorme sucesso. A peça marca um momento transformador no teatro baiano, quando o público da cidade, em sua maioria pessoas negras da periferia, passa a lotar os espetáculos do Bando de Teatro Olodum;

- Os personagens do filme, criados pelo elenco em oficinas de improvisação conduzidas pelo diretor Márcio Meirelles, foram apresentadas ao público nos espetáculos Essa é a nossa Praia (primeira montagem do grupo, em 1991); "Ó Paí, Ó" (1992) e /'Bai, Bai Pelô" (1994), que formam a "Trilogia do Pelô". Ambientadas no Centro Histórico de Salvador, as peças registram o momento da polêmica reforma do Pelourinho, com a expulsão de moradores antigos, para atender interesses turísticos, privados e governamentais;

- O título "Ó Paí, Ó" é uma corruptela da expressão "olha para isso, olha", muito comum nos diálogos populares de Salvador. Assim, o Bando de Teatro Olodum chamava atenção para o modo de vida dos moradores da cidade e suas estratégias de sobrevivência frente ao racismo e à violência cotidiana;

- "Ó Paí, Ó" também ganhou uma versão para a televisão. A série, de 10 capítulos, foi apresentada pela Rede Globo, em duas temporadas em 2008 e 2009;


- O personagem Roque reúne elementos de outros artistas representados na Trilogia do Pelô, como a cantora Mary Star (Arlete Dias). Nas peças, o Bando de Teatro Olodum denunciou a falta de respeito com os artistas populares. Já Roque é reconhecido por todos como um cantor e compositor talentoso, um exemplo positivo da arte produzida no Pelourinho, orgulho da comunidade, que luta para ter sua arte valorizada pelo mercado. Roque pode ser visto como uma metáfora do próprio Bando de Teatro Olodum, com seu desejo de reconhecimento, sem abrir mão da resistência política e o vínculo comunitário;

- Além de Lázaro Ramos, o Bando de Teatro Olodum revelou para o país a cantora lírica Virginia Rodrigues, o ator e apresentador Érico Brás, os atores Lucas Leto (Pantanal), Renan Motta (Terra e Paixão), as atrizes Edvana Carvalho (Malhação), Valdinéia Soriano (Vai na Fé) e Luciana Souza (Bacurau), entre outros talentos que brilham nos palcos e nas telas;

- O Bando de Teatro Olodum possui uma diretoria colegiada, formada pelos atores e atrizes e pelos diretores artísticos; Jarbas Bittencourt, músico e diretor musical, que compôs a música tema de "Ó Paí, Ó", e o bailarino e coreógrafo José Carlos Arandiba, o Zebrinha, jurado do quadro Dança dos Famosos, do Domingão do Huck;

- Além de "Ó Paí, Ó" (1992), outros sucessos da companhia em mais de 20 montagens são: a revista musical Cabaré da Rrrraça (1997); a premiada versão afro-baiana para o clássico de Shakespeare Sonho de Uma Noite de Verão (2006); a celebração à ancestralidade negra Bença (2010), o infantil Áfricas (2007), que apresenta o continente africano para crianças e adultos e o mais recente espetáculo 2 de Julho - A Resistência Cabocla, que destaca o protagonismo de mulheres, negros e indígenas nas lutas pela independência do Brasil;

- Os conflitos religiosos são destacados no filme, especialmente no comportamento de Dona Joana em relação às outras personagens, como a vidente Dona Raimunda (Cássia Valle) e a Baiana, que é do candomblé. A intolerância é evidenciada nas falas da evangélica e no culto mostrado no filme, quando um pastor demoniza as religiões de matriz africana. Em "Ó Paí, Ó 2" a religiosidade baiana volta à cena, agora com a festa em homenagem à Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, que dá lugar aos festejos do Carnaval destacados no primeiro filme;

- O filme "Ó Paí, Ó" mostra a riqueza e diversidade dos blocos negros do carnaval de Salvador. Nas cenas finais, os personagens participam dos desfiles do Ilê Aiyê, Olodum, Timbalada e Cortejo Afro. No desfecho da trama, as contradições vivenciadas pela população negra, são narradas ao som do samba reggae Protesto Olodum, do cantor e compositor Tatau, sucesso da banda Olodum, gravada em 1989.

Em "Ó Paí, Ó 2" a musicalidade baiana é apresentada pelas presenças de Russo Passapusso da Baiana System, Margareth Menezes, Tiganá Santana, Guiguio Shewell (ex-Ilê Aiyê), Pierre Onassis (ex-Olodum), Nininha Problemática, o grupo Attooxxa e Alana Sarah, A Dama do Pagode, do hit Soca Fofo;

- A cena emblemática do filme "Ó Paí, Ó" é o embate entre Roque e o traficante Boca, vivido por Wagner Moura. A contundente resposta do cantor às provocações racistas de Boca foi inspirada no discurso do personagem judeu Shylock, da peça "O Mercador de Veneza", de Shakespeare. Em recente entrevista, Lázaro Ramos contou que ele próprio sugeriu à diretora esse texto para a cena e que Wagner Moura abriu mão da resposta do seu personagem por considerar o discurso de Roque forte demais, deixando o rival em silêncio.
Durante o lançamento do filme, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, um público de 5 mil pessoas aplaudiu em cena aberta, por alguns minutos, o diálogo confirmando a sintonia entre o filme e o público da cidade, em especial, na representação das reivindicação da população negra por respeito.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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