Andreza Matais

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Reportagem

Vaccari volta a influenciar governo e entra em disputa milionária na Vale

A escolha do CEO com o segundo maior salário do Brasil provoca uma disputa política que joga luz sobre um personagem notório do PT e movimenta um dos ministros mais próximos do presidente Lula (PT). O que está em jogo é a presidência de uma das maiores mineradoras do mundo, a Vale, que paga ao seu mais alto executivo cerca de R$ 50 milhões por ano.

A corrida pelo salário milionário tem a participação do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, segundo cinco pessoas envolvidas diretamente nas discussões sobre o disputado cargo da Vale relataram à coluna. O ex-tesoureiro do PT também voltou a influenciar nas nomeações do governo,

O petista foi preso por quatro anos acusado de comandar a arrecadação para o partido na época do petrolão, esquema de corrupção na Petrobras. Hoje, ainda há quatro ações penais eleitorais sigilosas contra ele no TRE-DF (Tribunal Regional Eleitoral do DF), segundo o tribunal informou à coluna.

Na divisão dos cargos pelo governo, Vaccari ficou com os bilionários fundos de pensão Previ (Banco do Brasil) e Funcef (Caixa Econômica Federal).

O petista também opinou na indicação de Magda Chambriard para a presidência da Petrobras, fez Fernando Melgarejo (ex-Previ) diretor financeiro da petroleira e, agora, atua para emplacar o presidente da Vale. Sua primeira aposta é Paulo Caffarelli, ex-presidente do Banco do Brasil.

O maior atrativo do cargo é o salário. Entre 2020 e 2023, o atual presidente da companhia, Eduardo Bartolomeo, embolsou R$ 199 milhões em remuneração, segundo informou a Vale à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

No ano passado, foram pagos R$ 52 milhões —valor abaixo apenas dos R$ 67 milhões pagos ao CEO do Itaú, maior banco privado do país, de acordo com levantamento feito pelo UOL nos balanços apresentados à CVM. Em 2022, a Vale pagou R$ 59 milhões a Bartolomeo —maior salário entre os CEOs das maiores empresas do país naquele ano, segundo balanço registrado na CVM.

Vaccari é um ponto em comum em todos os relatos sobre os bastidores da operação em razão da influência que exerce na Previ.

O fundo de pensão possui dois representantes no conselho de administração da Vale, que tem um total de 13 votos. Um deles é o presidente da Previ, João Fukunaga, indicado por Vaccari. O outro é Daniel André Stieler, ex-presidente da Previ, que doou R$ 20 mil do próprio bolso para o PT em maio. Stieler é o presidente do conselho da Vale.

Headhunter e alerta anti-influência política

Para a escolha do CEO, a Vale contratou uma empresa de headhunter. A Russel Reynolds começou a trabalhar em maio na definição de uma lista tríplice para indicar ao conselho de administração, a quem cabe a escolha de um nome. A decisão tem que sair no segundo semestre. A Vale já informou ao mercado que o atual presidente só fica na posição até dezembro.

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A coluna apurou que uma das cláusulas no contrato com a Russel Reynolds é que qualquer tentativa de interferência de acionistas no processo seja notificada ao conselho imediatamente. É a primeira vez que a eleição do CEO envolve esse tipo de alerta.

Envolvidos no processo dizem, contudo, que isso não impede acionistas de encaminharem nomes para análise da consultoria desde que não pressionem para incluí-los na lista tríplice.
No entanto, o próprio fato de indicarem embute um peso político, e esse é o caminho para tentar viabilizar a indicação feita por Vaccari.

A coluna apurou que a lista inicial terá 20 nomes para ser reduzida a três para escolha do conselho da Vale. Quem acompanha o processo diz que Marcelo Spinelli, vice-presidente executivo de soluções de minério da Vale, e Gustavo Pimenta, vice-presidente executivo de finanças e relações com investidores da empresa, deverão compor a lista.

A trava mostra a desconfiança no processo desde que o presidente Lula (PT) tentou emplacar neste ano o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na presidência da Vale. Mantega teria cobrado de Lula uma recompensa pelos serviços prestados nos dois primeiros mandatos do presidente. A interferência repercutiu mal no mercado, e o ex-ministro deve agora ser acomodado no conselho da Braskem.

Incomodados com o escolhido de Vaccari dizem que será como trocar seis por meia dúzia, uma vez que Caffarelli foi secretário-executivo de Mantega. Fontes também ressaltam que o executivo foi presidente do BB no governo Michel Temer (MDB) e, como o ex-ministro, não tem no currículo atuação consolidada no setor de mineração. Entre acionistas da Vale, Caffarelli foi apelidado de "assessor de Mantega".

Quem conversa com Vaccari diz que sua estratégia combinada com o Planalto é fazer parecer que Caffarelli é o nome dos acionistas para não repetir o mesmo erro que inviabilizou Mantega. O plano é atrair a japonesa Mitsui e a Bradespar —donas de assentos no conselho da Vale, cada uma com um voto. Segundo apurou a coluna, o governo já mostrou que tem seis votos (placar que definiu a substituição do atual presidente da Vale) e vai usar esse poder.

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Alexandre Silveira x Vaccari

Vaccari tem uma carta na manga para substituir Caffarelli, caso os atributos de "ex-assessor de Mantega e ex-presidente do BB de Temer" o inviabilize, dizem fontes que acompanham os movimentos do ex-tesoureiro do PT. A alternativa se fez necessária desde que Vaccari encontrou um adversário à altura: o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), que atua para emplacar Luis Henrique Guimarães, ex-CEO da Cosan, ou Gustavo Pimenta.

O nome de Pimenta ganhou força nos últimos dias desde que Rubens Ometto, presidente da Cosan, divergiu publicamente do governo Lula. Em evento do grupo Esfera, o empresário disse que "do jeito que está não dá". Referia-se à medida provisória devolvida parcialmente pelo Senado que limita crédito de PIS/Cofins, usado para compensar impostos. Segundo Ometto, uma tentativa do governo de aumentar receita "tirando dinheiro da iniciativa privada".

Além disso, o fato de Guimarães ser ligado à Cosan daria muito poder a um grupo que só detém 4,14% da Vale. Mesma lógica usada para Walter Schalka, ex-CEO da Suzano. Críticas da esposa do executivo ao governo Lula em redes sociais também incomodaram o Planalto.

Gustavo Pimenta ainda tem a vantagem, na concepção do ministro, de ser mineiro, base eleitoral de Silveira —razão pela qual se tornou um "plano B" importante.

Como já mostrou a coluna, Alexandre Silveira é hoje um dos ministros mais poderosos do governo Lula. Ele conseguiu derrubar Jean Paul Prates do comando da Petrobras no mês passado e se aproximou da primeira-dama Janja da Silva, que decide quem acessa Lula.

A queda de braço de Silveira com Vaccari, contudo, tem outro tamanho.

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O petista ficou quatro anos preso (entre 2015 e 2019), por determinação do então juiz Sergio Moro, acusado de participar de esquema ilegal de arrecadação para o partido no qual empresas só conseguiriam contratos com o governo mediante pagamento de caixa dois. Quando quase todo mundo optou pela delação premiada para escapar do cárcere, Vaccari manteve-se em silêncio.

Em janeiro, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações contra Vaccari e encaminhou o caso para o TRE-DF, que considerou o foro adequado para julgamento. Segundo o tribunal, existem quatro ações penais abertas envolvendo o petista em tramitação na Corte eleitoral neste momento.

Vaccari e Cafarelli silenciam

Procurado, Vaccari disse que "por orientação dos seus advogados, não dá entrevistas e nem fala com a imprensa".

O UOL tenta contato com o advogado de Vaccari, Luiz Flávio Borges D'Urso, desde o dia 4 deste mês, deixando recados pelo celular e escritório, mas não obteve retorno.

Paulo Cafarelli disse que não irá se manifestar.

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A reportagem procurou a Russel Reynolds, mas não houve retorno.

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