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Augusto de Arruda Botelho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Judiciário em defesa da Democracia

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal (STF) - Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal (STF) Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Colunista do UOL

22/09/2021 09h00

Escrevo verdadeiramente emocionado e honrado o meu artigo de estreia por aqui.

Vou começar então agradecendo e dando boas-vindas: agradecendo ao UOL pelo espaço, e dando boas-vindas a vocês, leitores e leitoras desta coluna semanal.

Quero também adiantar o que esperar e o que não esperar dos meus textos. Adoro cozinhar, mas vocês não verão receitas aqui. Sou um apaixonado por música, mas não é sobre isso que pretendo escrever. Meu time do coração, pelo qual sou fanático, é o Palmeiras, mas o Alviverde Imponente não será, assim imagino, objeto de minha reflexão. Pretendo falar aqui sobre direito, sobre justiça e, por que não, sobre política. Até porque atualmente esses temas muito se entrelaçam.

Mas para falar sobre direito, justiça e política é importante lembrar que o direito não é uma ciência exata. Por isso, meus posicionamentos, críticas e argumentos sempre estarão sujeitos a discordância. A beleza do direito, inclusive, está aí: na possibilidade de sobre o mesmo tema haver mais de um posicionamento e ambos serem tecnicamente embasados. O direito permite mais de um ponto de vista, mas todos eles devem ter fundamentação técnica.

Quanto à política, é evidente que tenho um posicionamento, uma ideologia. O importante, mais do que isso, o essencial, é que a análise técnica de uma decisão judicial, por exemplo, não se dê, em hipótese nenhuma, sob a influência de um viés ideológico.

Afirmo e reafirmo quantas vezes for necessário: a lei é uma só. Vale para as pessoas de quem gostamos, para as pessoas de quem não gostamos, para aqueles em quem votamos ou contra quem fizemos oposição. Portanto, se você discordar de uma análise minha sobre um decreto de prisão, por exemplo, ou, ao contrário, se concordar com ela, saiba que essa análise teve como base somente a doutrina, a Lei e a Constituição.

Em tempos como os atuais, de extrema polarização e de crise institucional, o componente ideológico e mesmo político-partidário das reações e reflexões ganha um enorme peso. Na história de nossa recente democracia, imagino ser esta a crise mais grave por que passamos.

Temos um Presidente da República que erra muito, não conduz minimamente bem o país e não propõe soluções para nossos problemas. Para piorar, se omitiu durante a maior pandemia de nossa história recente. Mais do que se omitir, boicotou uma série de medidas que teriam salvado milhares de vidas.

Diante de tudo o que temos vivenciado, é evidente que um processo de impeachment está em nosso horizonte. Do ponto de vista jurídico-político, um Presidente da República é afastado por meio de um processo que pode se iniciar quando se verifica a prática de um crime de responsabilidade ou, por uma via processualmente bastante semelhante, quando esse dirigente comete um crime comum. Bolsonaro cometeu de tudo, dezenas de crimes de responsabilidade e de crimes comuns.

Cabe, nesses casos, a iniciativa de dois atores: o Presidente do Congresso e a chefia do Ministério Público Federal. Deles, infelizmente, parece que já não podemos esperar mais nada. Além de não agirem, não têm feito o menor esforço, diante de suas competências e possibilidades de ação, para garantir o respeito à ordem democrática.

Por outro lado, um ator tem se mostrado - dentro dos seus limites de atuação - grande defensor da democracia: o poder judiciário.

Em sua origem, em respeito à necessária separação entre os poderes, o judiciário exercia um papel reativo: era instado a falar apenas quando acionado. Isso, ao longo da história, mudou. Hoje, então, nem se fala. É forçoso reconhecer que o poder judiciário exerce um grande, e por vezes criticável, papel político.

O STF tem, principalmente nos últimos anos, assumido um protagonismo que, apesar de necessário, lhe traz prejuízos. Neste governo especialmente, a necessidade de atuação do poder judiciário encontrou contornos nunca antes vistos. Diante da inoperância e da ineficiência do executivo, e muitas vezes do próprio legislativo, o judiciário tem a incumbência de agir - acionado ou não. É por isso que, na manutenção da democracia, o Supremo tem sido essencial.

Ainda que se discorde tecnicamente de decisões pontuais de um Ministro ou uma Ministra, o fato inconteste é que cabe ao Supremo, em seu papel de guardião da Constituição, colocar freios e, em muitos aspectos, conduzir políticas em nosso país.

Quando o Supremo, por exemplo - apesar de essa decisão ter sido objeto de uma das maiores campanhas de fake news do governo atual -, afirmou que cabe aos governos federal, estaduais e municipais implementarem, em conjunto, medidas de combate à pandemia, não apenas disse o óbvio como direcionou as responsabilidades a quem de direito.

Quando o Supremo, reiteradas vezes, afirmou que a liberdade de expressão é um direito constitucionalmente previsto e que isso jamais deve ser censurado, excepcionou as situações em que a liberdade de expressão ultrapassa o limite imposto pela lei e dá lugar a um crime.

Quando o Supremo afirma que é esperado e democrático discordar e contestar decisões do próprio Tribunal, mas que ao fazer isso jamais se pode ameaçar a integridade física de um Ministro ou propor o fechamento violento da corte, faz aquilo que se espera do STF e de todo o Judiciário: entregar justiça, impor limites e, ao fim e ao cabo, manter íntegra nossa ainda tão jovem Democracia.

Finalizo afirmando o óbvio (e que tempos os atuais, em que temos que dizer o óbvio!): as decisões judiciais podem ser discutidas, contestadas, podem ser objeto de recursos. Jamais podem ser desrespeitadas ou descumpridas. A higidez de um Estado Democrático de Direito obrigatoriamente passa por isso. Sempre.