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Balaio do Kotscho

Vitória de Biden, derrota de Bolsonaro: onda democrática varre o continente

"Count every vote" (conte cada voto), pedem os democratas dos EUA. Americanos votaram como nunca e vão ditando a política mundial como sempre - Kerem Yucel / AFP
"Count every vote" (conte cada voto), pedem os democratas dos EUA. Americanos votaram como nunca e vão ditando a política mundial como sempre Imagem: Kerem Yucel / AFP

Colunista do UOL

07/11/2020 13h46

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Assim como a vida da gente, a política é feita de ciclos. Nada é para sempre, ainda bem. Na noite de quinta-feira, dia 5 de novembro de 2020, um deles se fechou.

Ao final do escalafobético pronunciamento de Donald Trump na Casa Branca, que classificou de "triste, verdadeiramente patético e perigoso", o âncora Anderson Cooper entrou ao vivo na CNN americana e jogou a pá de cal:

"Esse é o presidente dos Estados Unidos. Essa é a pessoa mais poderosa do mundo, e nós o vemos como uma tartaruga obesa, de costas, se debatendo no Sol quente, percebendo que seu tempo acabou".

Ainda estavam sendo contados os votos, quando um Trump alquebrado surgiu nas telas do mundo para, durante 18 minutos, declarar guerra às instituições democráticas americanas, recusando-se a aceitar o resultado das apurações. Em resumo, foi isso.

Bolsonaro apostou tudo em Trump, até quando a derrota dele já era certa. E os dois afundaram abraçados.

O mundo civilizado respira aliviado, depois da longa agonia da contagem de votos, mas o governo brasileiro não foi convidado para esta festa da democracia.

As Américas parecem querer democracia

Eleito em 2018, surfando na onda conservadora liderada pelo presidente dos EUA, de um ano para cá Bolsonaro colecionou derrotas na política externa e ficou cada vez mais isolado no continente. Acabou pendurado na brocha. É um tremendo pé-frio.

México, Argentina, Bolívia, Chile (que vai mudar sua Constituição da ditadura de Pinochet) e, agora, os Estados Unidos, um a um, como num jogo de dominó, os aliados do presidente brasileiro foram caindo. Não sobrou nem Juan Guaidó, o autoproclamado presidente da Venezuela, apoiado pelo Brasil, que sumiu do mapa.

Ventos democráticos varreram a onda obscurantista do continente americano e, mais dia, menos dia, vão chegar ao Brasil.

"O projeto de um mundo de extrema direita vira um sonho (ou pesadelo) de uma noite de verão. É hora de acordar e cair na realidade", escreveu minha amiga Eliane Cantanhede em sua coluna no Estadão, mas temo que por aqui isso ainda vá demorar.

Bolsonaro quer cédula de papel... para quê?

Em mais um giro pelo país, na sua campanha para a reeleição em 2022, o capitão ressuscitou o seu projeto de adotar a estrovenga do voto de papel junto à urna eletrônica, uma ideia de jerico, que custaria R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos, segundo estimativas do Tribunal Superior Eleitoral.

Se nos Estados Unidos a eleição já foi judicializada por Trump, inconformado com os votos enviados pelo correio, pode-se imaginar o furdunço que o capitão não aprontaria aqui se as urnas não lhe forem favoráveis.

Diante do novo cenário, como ficará agora a política externa brasileira nas mãos do celerado terraplanista Ernesto Araújo, que já chamou Trump de "único Deus capaz de salvar o Ocidente".

Cenas dos próximos capítulos

Neste ponto, presidente e chanceler divergem. Nesta sexta-feira (6), no palanque em Santa Catarina, num discurso desconexo, em que não desistiu de apostar na vitória de Trump, disse Bolsonaro:

"Eu não sou a pessoa mais importante do Brasil, assim como Trump não é a pessoa mais importante do mundo, como ele bem mesmo diz. A pessoa mais importante é Deus".

Menos mal, folgamos em saber.

Primeiro a reconhecer Juan Guaidó como presidente da Venezuela, que continua sendo governada por Nicolás Maduro, o capitão deverá ser o último a admitir a vitória de Joe Biden, só depois que forem resolvidas todas as pendências na Justiça americana, o que poderá levar meses.

Rio das Pedras sempre alerta

Como Donald Trump se recusa a admitir a derrota, como faziam os velhos ditadores africanos, e está insuflando seus seguidores, que contam com milícias armadas, a fazer o mesmo, os próximos dias poderão ser decisivos para o futuro da democracia americana. Conflitos de rua já estão pipocando pelo país.

Por enquanto, no Brasil, reina a paz dos cemitérios, mas as milícias de Rio das Pedras estarão sempre prontas para entrar em ação se a democracia familiar da República da Barra da Tijuca estiver em perigo.

Como alertou Joe Biden, é preciso ter muita calma e paciência nesta hora.

Vida que segue.