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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Advogados de direita convocam dedos-duros para fazer a defesa de Bolsonaro

Em defesa de Bolsonaro, advogados criam "disque-denúncia" para processar quem critica o presidente -                                 MARCOS CORREA/PR
Em defesa de Bolsonaro, advogados criam 'disque-denúncia' para processar quem critica o presidente Imagem: MARCOS CORREA/PR

Colunista do UOL

27/02/2021 15h25

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Email inválido

"DENUNCIE! Se você receber ou deparar com vídeos, fotos ou qualquer outro tipo de mensagem ofensiva ao Presidente Jair Bolsonaro, sua família e membros do seu governo, seja por parte de políticos, artistas, professores ou qualquer um do povo, envie o material para o email secretariageral@oacb.org.br". Sua privacidade será preservada. VAMOS PROCESSAR TODOS".

Recebi por diferentes meios esta semana a mensagem acima que está circulando nas redes sociais, em nome de uma misteriosa "Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil', criada há dois anos em João Pessoa, na Paraíba.

Alguns leitores deste blog já tinham me feito a mesma ameaça.

Lembrei-me na hora de um personagem muito popular e temido nos tempos da ditadura escrachada: o dedo-duro.

Alcaguete voluntário ou remunerado, que se infiltrava entre estudantes, operários, jornalistas, artistas e "qualquer um do povo", como diz a mensagem dos advogados, o dedo-duro denunciava aos órgãos de segurança quem falasse mal do governo militar, e foi co-responsável por prisões, torturas e mortes, a exemplo do que aconteceu com o jornalista Vladimir Herzog, "suicidado" nos porões do DOI-CODI, depois de ser delatado por um colega jornalista. .

Com a redemocratização do país, o dedo-duro virou uma figura folclórica do passado, com prazo de validade vencido e sem serventia. Ninguém falava mais nele.

Agora, com a volta dos militares ao poder, está sendo ressuscitado pela autointitulada OACB, que se define como uma entidade que "congrega advogados que defendem a democracia e os princípios cristãos e conservadores, a ideologia direita".

"Nossa equipe de advogados providenciará o devido encaminhamento de NOTICIA CRIME e demais petições aos canais competentes. Vamos derrotar o mal. Advogados unidos para mudar o que tem que ser mudado", diz ainda a mensagem da entidade.

Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) original, já pediu ao Conselho Federal um pedido de investigação "sobre possível cometimento de infração disciplinar, além da tentativa de uso indevido da sigla e marca da Ordem".

"A Constituição garante a livre manifestação de opiniões e esse é um dos pilares de qualquer democracia. Parece, portanto, que tal `entidade´ desconhece ou despreza a Constituição", disse Santa Cruz ao site Consultor Jurídico.

Na página dos advogados conservadores no Twitter, que tem 6.965 seguidores, não consta o nome de nenhum responsável ou integrante do grupo.

Em setembro do ano passado, usando apenas letras maiúsculas, a OACB publicou um post em nome da "advocacia brasileira", exigindo a renúncia de Felipe Santa Cruz.

Por enquanto, eles têm-se limitado a promover ou participar de debates com políticos e outros grupos da direita bolsonarista, mas com a convocação dos dedos-duros eles agora estão querendo partir da teoria à prática, para perseguir os opositores do governo.

Se realmente levarem a sério a empreitada, vão ter muito trabalho, e a Justiça não dará conta de tanta "notícia crime". Cresce a cada dia, em todas as pesquisas, a rejeição ao presidente Bolsonaro, e não é só na imprensa independente.

Mas, certamente, não faltarão outros advogados para ajudar essa nova encarnação da TFP (Tradição, Família e Propriedade) e do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), que tanto barulho fizeram antes e depois do golpe de 1964, com o mesmo discurso.

Vamos acabar voltando aos tempos da televisão em branco e preto e dos "espiões" escondidos atrás das portas, com um jornal debaixo do braço para disfarçar, prestando atenção nas conversas?

Certa vez, naqueles tempos, colegas foram se queixar ao diretor de redação de uma revista de que havia um dedo-duro entres eles.

Fleugmático, o diretor tentou acalmar os ânimos, dizendo que o cara era apenas um doente, um louco.

Um redator o contestou: "Louco, não. Louco sou eu, que tenho carteirinha para me tratar. Esse cara é um fdp!"

Tudo depende do ponto de vista, mas o fato é que cada vez mais personagens como esses estão saindo do armário, agora que encontraram um líder e clima favorável para desafiar até o STF.

Como dizia Nelson Rodrigues, muito antes das redes sociais, os idiotas estão perdendo a modéstia.

Isso não é uma ofensa, apenas uma constatação.

Nem na época do AI-5 era proibido criticar o governo. Só era perigoso...

Vida que segue.