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Bolsa Família (2003-2021): após 18 anos, o fim de uma história de sucesso
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"É inadmissível que estejamos vendo, impassíveis, cenas de busca de comida no caminhão de lixo, ossos sendo disputados nos açougues, fome e anemia entre as crianças e suas famílias como algo natural".
(Paola Carvalho, no "El País", edição de 20 de outubro de 2021, dia em que o Bolsa Família completava 18 anos, pouco antes de morrer).
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No governo que veio para destruir tudo o que foi feito antes, para depois começar a construir, como o recém-empossado presidente Jair Bolsonaro orgulhosamente anunciou, durante uma reunião com líderes conservadores americanos, em Washington, mais uma etapa da primeira parte do seu projeto foi concluída nesta sexta-feira, com o último pagamento do programa Bolsa Família, revogado pela Medida Provisória 1.061/2021, que criou o Auxílio Brasil, em agosto, mas ainda não foi votada pelo Congresso Nacional.
Ainda não há data para o início da segunda etapa, o da reconstrução do programa, com outro nome, e do país.
Falta apenas um pequeno detalhe: de onde virá o dinheiro para pagar R$ 400 por mês a 17 milhões de famílias como pretende o governo quebrado de Paulo Guedes (atualmente são 14 milhões)?
"São 18 anos de uma história de sucesso, desperdiçadas", escreveu numa rede social a economista Tereza Campello, que foi ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo Dilma Rousseff.
Considerado pela ONU um dos melhores programas de transferência de renda do mundo, reproduzido hoje em dezenas de países, o Bolsa Família já foi objeto de 19 mil estudos sobre o programa registrados na Plataforma Lattes do CNPq (Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
"Sabe quantos desses estudos foram usados para embasar a extinção do Bolsa Família? Zero".
O novo auxílio, além de ajudar a melhorar a popularidade do presidente em ano eleitoral, tem apenas um objetivo: apagar a principal marca dos governos petistas, pois Lula ainda é o principal obstáculo para a reeleição de Bolsonaro.
A maior conquista do Bolsa Família nestes 18 anos foi servir de instrumento para diminuir a desigualdade social no período, como mostraram recentes pesquisas publicadas pela Folha na semana passada.
Além de ajudar a tirar o Brasil do Mapa da Fome, para o qual já voltamos nas cenas descritas por Paola Carvalho no "El País", o programa do PT, segundo a BBC, reduziu em 16% a mortalidade infantil, aumentou a participação feminina e diminuiu a evasão escolar, reduziu a desigualdade regional, melhorou os indicadores de insegurança alimentar, teve um efeito multiplicador no PIB (cada R$ 1 investido no programa gerava implemento de R$ 1,78 no PIB) e 69% dos primeiros beneficiários encontraram a "porta de saída", como mostrou reportagem de Vinícius Valfré, no Estadão.
Nela o repórter conta a história da família Martins, de Unaí, Minas Gerais, que com os R$ 110 mensais recebidos do Bolsa Família, começou a fazer pamonha para vender.
"Eu morava na minha casinha, inventei de fazer pamonha. As duas filhas mais velhas começaram a trabalhar. A moça da prefeitura disse que eu podia renovar o Bolsa Família. Eu falei: `Não, não vou renovar mais. Tem alguém lá fora que precisa mais do que eu. Tem gente aí com filho pequeno", contou Vanilda Martins, 58, mãe de três filhos, que não pararam de estudar, uma das primeiras a sair do programa porque não queria mais depender do governo.
Uma delas, Simara, 34, hoje é dona hoje de uma confecção em Taguatinga, no Distrito Federal, onde emprega 7 funcionários e envia roupas de praia até para a Europa.
De 1,15 milhão de pessoas contempladas pelo programa criado pelo ex-presidente Lula na Medida Provisória 132/2003, em substituição ao Fome Zero, 795 mil pioneiros do Bolsa Família (69%) deixaram o programa, segundo dados reunidos pelo Estadão durante um ano.
A grande diferença, não custa registrar, é que para Lula o Fome Zero, que virou Bolsa Família, era um programa de vida _ garantir três refeições por dia a todos os brasileiros _ e não apenas um arranjo emergencial para disputar eleições.
Foi o resultado de anos de trabalho do grupo encabeçado no PT pelo agrônomo e fazendeiro José Gomes da Silva e continuado por seu filho José Graziano, que se tornaria ministro do governo Lula e, depois, diretor-geral da FAO, o órgão da ONU voltado para o combate à miséria e à fome.
Outro nome que não pode ser esquecido é o do ministro Patrus Ananias, da Assistência Social, um sábio professor mineiro, que botou de pé o Bolsa Família, em meio ao tiroteio dos partidos de oposição, dos donos das terras grandes e de setores da mídia. Não aconteceu nada por acaso.
Por trás desse programa, havia uma longa história, com centenas de personagens da vida real, da academia ao Movimento dos Sem Terra (MST), construída ao longo de três campanhas presidenciais derrotadas, antes da chegada de Lula ao poder, em 2003. Sei do que estou falando porque participei dessa luta desde o início e trabalhei com o ministro Patrus na implantação do programa.
Sofremos com muitas mortes nesses últimos dois anos, mas a do Bolsa Família foi uma das que me deixou mais triste, porque vai deixar milhares de órfãos, e foi uma das menos lamentadas.
Que venha logo o Auxílio Brasil, seja lá como for, venha de quem vier. Mais de 19 milhões de brasileiros não aguentam mais passar fome.
Vida que segue.
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