Topo

Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Véspera de Natal: "Está tudo muito bom, muito bonito, mas está esquisito"

Árvore de Natal iluminada na Marginal Pinheiros, altura da Ponte Octavio Frias de Oliveira, em São Paulo - Ronaldo Silva/Futurapress/Estadão Conteúdo
Árvore de Natal iluminada na Marginal Pinheiros, altura da Ponte Octavio Frias de Oliveira, em São Paulo Imagem: Ronaldo Silva/Futurapress/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

12/12/2021 16h14

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Em comparação com o ano passado, quando o clima a duas semanas do Natal mais lembrava um velório sem fim, com ruas e lojas peladas de enfeites, neste 2021 já se vê mais movimento nos bares e comércios, chega a ter até congestionamentos em alguns horários, mais gente está viajando nos finais de semana, mas a maior diferença é a quantidade de famílias acampadas nas calçadas e sob as pontes e marquises, pedindo ajuda para comprar comida.

No velho Sujinho da rua da Consolação, na região central de São Pauloonde eu não ia faz mais de dois anos, o movimento já é quase normal, mas ficou impossível comer nas mesas da calçada, tamanha é a quantidade de miseráveis clamando por um pedaço de carne ou um pãozinho que seja. Qualquer pessoa com um mínimo de empatia sente-se mal ao traçar um bistecão diante dos olhos daquelas pessoas excluídas da sociedade, a quem não se permite o mínimo necessário para garantir sua sobrevivência.

O contraste entre clientes e pedintes me fez lembrar da frase desenhada numa parede da Finca Dom Fernando, um restaurante chileno em Carapicuíba, na área metropolitana: "Está tudo muito bom, muito bonito, mas está esquisito".

E bota esquisito nisso, quando se nota a falta de alegria nos grupos de amigos reunidos nos botecos para celebrar o fim de mais esse ano terrível, que vai consumindo nossas esperanças de dias melhores.

Não há clima, simplesmente, para fazer festa, nada a comemorar. Mesmo para aqueles que não perderam parentes ou amigos na pandemia, nem seus empregos, não dá para fechar olhos e ouvidos à realidade de uma tragédia humanitária que ainda está longe de acabar.

Os preços de tudo também assustam. Para quem ficou muito tempo sem sair de casa, parece que tudo está muito mais caro, e os salários vão tomando um baile da inflação. Tem mais gente vendo as vitrines do que comprando presentes, pechinchando descontos, como se o país estivesse vivendo um tempo de pós-guerra.

É impressionante o número de bancas de jornal e lojas que fecharam. Casas antigas e postos de gasolina são derrubados a marretas e britadeiras para dar lugar a grandes prédios, um ao lado do outro. Mas quem vai poder comprar seus belos apartamentos ou escritórios.

Aqui na Vila Madalena e em Pinheiros, eles brotam como capim, de uma semana para outra, destruindo a história e a memória do bairro onde nasci.

Aonde vai nos levar tanto progresso para uns poucos e miséria para outros, cada vez em maior número?

Se e quando tudo voltar ao normal, com mais carros nas ruas, vai ser preciso estudar como a cidade ficou, para onde cresceu ou encolheu, rediscutir o plano diretor que joga os trabalhadores para periferias cada vez mais distantes dos seus locais de trabalho.

Passados o Natal e o Ano Novo, com ou sem Carnaval em 2022, vamos ter que enfrentar uma nova realidade, com o home office que veio para ficar em muitas áreas de trabalho, repensar a mobilidade urbana e o sistema viário. Mas quem vai liderar esse processo de requalificação de São Paulo, se muitos nem sabem quem é atualmente o prefeito invisível, e a chamada sociedade civil organizada, assim como os movimentos sociais, perderam seu protagonismo e suas referências?

Está mesmo tudo esquisito nesta virada de ano, com as pessoas já não sabendo mais se devem ou não usar máscaras, se já podem abraçar ou não seus amigos, se está na hora de fazer planos para viagens ou guardar um pouco do 13º salário para enfrentar o que vem por aí no ano eleitoral.

Entraremos em 2022 completamente no escuro, na ausência de qualquer projeto do poder público para o pós-pandemia, sem qualquer ideia de como chegaremos até as eleições, que sempre representam, ou deveriam ser, uma renovação de esperanças.

Até o tempo anda estranho, com dias de inverno ou verão se alternando na primavera, deixando a gente sem saber com que roupa devemos sair de casa de manhã.

Bem que eu gostaria de ser mais otimista, mas vai ficando cada vez mais difícil enxergar uma luz no fim do túnel.

Vida que recomeça.