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OPINIÃO

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No mês do "cachorro louco", cartas pela democracia podem servir de vacina

16.abr.1984 -  Multidão de 1,5 milhão de pessoas durante comício pelas "Diretas Já", no Vale do Anhangabaú, em São Paulo - Renato dos Anjos/Folhapress
16.abr.1984 - Multidão de 1,5 milhão de pessoas durante comício pelas "Diretas Já", no Vale do Anhangabaú, em São Paulo Imagem: Renato dos Anjos/Folhapress

Colunista do UOL

08/08/2022 16h29

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Só hoje me dei conta de que já entramos em agosto, não por acaso chamado de mês do desgosto e do cachorro louco, que não tem nem feriado no meio para dar um refresco.

Do desgosto, porque era quando os navegadores portugueses saiam em direção ao desconhecido novo mundo, e as moças evitavam se casar porque eles poderiam morrer no caminho das Índias e deixá-las viúvas.

Do cachorro louco porque é a época em que as cadelas entram no cio em sincronia e deixam os machos enlouquecidos. Por isso, recomenda-se vacinar nossos cães com a antirrábica, já que a raiva pode até matar se eles nos morderem. Ainda não há vacinas para humanos raivosos, mas as cartas pela democracia podem impedir que eles avancem sobre nós.

Vai ver que por isso os comentários nas redes sociais estão cada vez mais raivosos, soltando a baba das fake news produzidas em escala industrial, sem nenhum apego aos fatos ou contato com a realidade, assim como acontece com os delirantes discursos oficiais sobre as batalhas entre "o bem e o mal", "o céu e o inferno", "Deus e o diabo" na terra do sol, a apenas sete semanas das eleições.

E assim chegamos a agosto, também conhecido como o mês em que Getúlio se matou e Jânio renunciou, duas das nossas grandes tragédias políticas, sempre lembradas nessa época do ano. Mais recentemente, o presidenciável Eduardo Campos morreu num acidente aéreo durante a campanha de 2014.

Foi também num mês de agosto que começou a Primeira Guerra e a escalada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, quando o mundo ainda não desconfiava dele, um oficial do baixo clero do Exército. O "Führer" também acenava com o perigo de comunistas escondidos debaixo das camas.

Não há nada no horizonte a sinalizar novas tragédias por aqui, mas é bom não brincar com o imponderável. Em 2018, ninguém podia prever a facada de Juiz de Fora, que abriu caminho para o capitão chegar ao poder. Três anos e meio depois, quem está ameaçada é a nossa democracia.

Mais do que as declarações beligerantes do presidente improvável, o que me assusta é a virulência dos seus seguidores, que em suas mensagens na internet simplesmente não admitem perder a eleição. Ameaçam até partir para a guerra civil em defesa do "Mito".

É simplesmente impossível dialogar com eles no mesmo nível de loucura, tentando mostrar que as urnas eletrônicas são confiáveis, nunca registraram fraudes. Mas vai tentar convencer o ministro da Defesa, um obediente ajudante de ordens do presidente, que insiste numa apuração paralela pelos militares, com a impressão de cada boletim de urna. Dá para imaginar a confusão que daria na apuração dos votos se os generais não concordarem com os resultados?

A única vacina encontrada pela sociedade civil desarmada foi coletar assinaturas para as cartas em defesa da democracia, das eleições e do Estado de Direito, que serão apresentadas nesta quinta-feira, dia 11, nas históricas arcadas da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, onde foi lida a "Carta aos Brasileiros" na resistência à ditadura militar, em 1977.

Duvido que essas cartas sejam lidas pelos donos do poder, e muito menos que mereçam uma resposta, para tranquilizar os eleitores de que seus votos serão respeitadas e o vencedor tomará posse no dia 1º de janeiro de 2023, como prevê a lei eleitoral.

Pode parecer romântico escrever cartas em meio à guerra declarada pelo governo, mas este pode ser o estopim de uma resistência cívica ao avanço do autoritarismo, unindo outra vez a nação para dar um basta a tanta insanidade.

Só o medo de perder nas urnas, e que os responsáveis pela grande tragédia brasileira, que se aproxima dos 700 mil mortos, paguem pelos seus crimes, com mais de 30 milhões de brasileiros passando fome, pode explicar esse clima de insegurança em que vivemos no país, à medida em que se aproxima a eleição.

Parece que o Brasil acordou desse pesadelo. Cabe a cada um de nós, agora, fazer a sua parte, seja como e onde for, assim como estou fazendo aqui, para nunca mais ameaçarem a nossa democracia duramente conquistada.

Que chegue logo outubro. Os cachorros loucos não passarão por cima de nós. Enquanto há vida, há esperança. Tudo tem que ter um limite. E o nosso limite chegou. Todos às ruas neste 11 de agosto, assim como fizemos em 1984, quando reconquistamos a democracia. É preciso dar o primeiro passo.

Vida que segue.

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