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Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Acabei de falar com uma fonte": assim as campanhas dominam o noticiário

Fernando Gabeira (segundo à esquerda) com sua equipe: nos tempos em que para fazer uma reportagem era preciso ir aonde o povo e os fatos estão - Divulgação
Fernando Gabeira (segundo à esquerda) com sua equipe: nos tempos em que para fazer uma reportagem era preciso ir aonde o povo e os fatos estão Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

29/08/2022 20h34

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Pode reparar: o dia todo você ouve repórteres e comentaristas dizendo que acabaram de falar com uma fonte, sem dizer qual é, pois são personagens sem nome ou autoridades indeterminadas. "Um general do Alto Comando me disse...", "um alto funcionário da Receita me adiantou...", "recebi agora mensagem de um ministro do STF", e por aí vai. Todos querem mostrar que são bem informados. Haja fontes.

É um tal de "acabei de apurar junto a um interlocutor do presidente da República" ou "em conversas com o comando da campanha". Em Brasília, até os prédios falam: "O Planalto comentou", diz o repórter (agora todos viraram comentaristas), e lá vem a cascata plantada por alguém interessado em divulgar determinada versão. É a praga do jornalismo "em off", que ganha mais tração em épocas de campanha eleitoral.

Isso se disseminou na época da ditadura, sob a alegação que é preciso preservar o "sigilo da fonte", pois as autoridades militares da ativa, que davam as cartas e as ordens no país, eram impedidos de se manifestar publicamente sobre assuntos políticos.

Quem me chamou a atenção hoje para os perigos que corremos ao consumir "notícias", nem sempre checadas e impossíveis de comprovar, mas meras ilações das fontes ou dos próprios jornalistas, foi o veteraníssimo colega Fernando Gabeira, no programa Central das Eleições da GloboNews.

Gabeira alertou os colegas mais jovens sobre os riscos de se tornarem retransmissores involuntários das famigeradas fake news, desinformações fast-food fabricadas no "comando das campanhas" para defender seus candidatos, diminuir o tamanho dos problemas e plantar insídias nas hostes adversárias.

Como a maioria dos repórteres, por economia de custos, hoje não vai mais aonde o povo está, e os fatos acontecem, eles são obrigados a trabalhar com informações de segunda ou terceira mão captadas nos celulares, muitas vezes por iniciativa da própria fonte, o que sempre me deixou desconfiado. É o chamado "prato feito" da notícia, entregue por delivery aos profissionais de imprensa.

O auge desse esquema de leva-e-trás aconteceu na cobertura da Operação Lava Jato, em que juízes, procuradores e jornalistas atuavam numa joint-venture, onde a moeda de troca era o "furo" pré-programado das delações premiadas, para determinados profissionais e veículos, que faziam uma espécie assessoria de imprensa informal. Criou-se assim, digamos, uma certa promiscuidade. Era inevitável, e deu no que deu.

Na noite de domingo, o debate dos presidenciáveis ainda estava rolando, quando começaram a pipocar por toda parte repercussões emitidas pelas mais diferentes fontes do mercado, dos quartéis e do chamado comando das campanhas, dizendo quem ganhou e quem perdeu, cada uma puxando a sardinha para o seu lado.

Nunca tivemos tantas informações (ou desinformações) disponíveis sobre uma eleição presidencial nas mais diversas plataformas, e nunca foi tão difícil filtrar o que é fato ou fake na selva de fontes anônimas que dominam todo o noticiário.

Se passam a maior parte do dia e da noite nas redações ou nos estúdios, pulando de um telejornal a outro, como eles poderiam ver com os próprios olhos e ouvir com as próprias orelhas o que está acontecendo?

Para fazer uma reportagem nos tempos pré-internet, eram necessários pelo menos três elementos: o repórter, o fotógrafo e o motorista. Era mais difícil enganá-los, olhando olho no olho, pois alegria de repórter é descobrir o que os outros querem esconder, ou seja, a notícia verdadeira. O contrário disso é a tristeza do "prato feito".

Acho que nem há mais carros e motoristas de reportagem como se via nos filmes em branco e preto, apostando corridas para ver quem chegava antes ao local dos acontecimentos.

Não se trata de ser nostálgico para dizer qual período foi melhor ou pior para o jornalismo, mas apenas de constatar as profundas mudanças registradas na indústria da informação e na relação repórter-fato-fonte-leitor.

A vida dos profissionais foi muito facilitada pelas novas tecnologias do jornalismo à distância, em que você pode fazer uma reportagem sobre queimadas na Amazônia sem sair de casa. Já não se fazem mais Fernandos Gabeiras nem Zé Hamiltons Ribeiro, repórteres estradeiros que nunca escreviam suas histórias só por ouvir falar. Iam lá ouvir os personagens, presencialmente.

Mas ficou muito mais difícil ser consumidor de notícias, aprender a separar o joio do trigo, sem falar na praga que são as milícias digitais.

Vida que segue.