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OPINIÃO

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Às vésperas do 7 de Setembro e da eleição, clima de medo domina o país

Patriotismo e religião: caminhoneiro pró-Bolsonaro protesta em Itapoá (SC), nos atos de 7 de setembro do ano passado - Heuler Andrey/DiaEsportivo/Folhapress
Patriotismo e religião: caminhoneiro pró-Bolsonaro protesta em Itapoá (SC), nos atos de 7 de setembro do ano passado Imagem: Heuler Andrey/DiaEsportivo/Folhapress

Colunista do UOL

05/09/2022 12h17

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Era para ser uma grande festa nacional, comemorada por toda gente brasileira, o bicentenário da Independência neste 7 de Setembro.

A 27 dias da eleição presidencial, no entanto, o que predomina nas ruas é um difuso sentimento de medo porque ninguém sabe o que pode acontecer. Com a convocação feita já faz meses, pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, de manifestações a favor do governo e da sua reeleição, misturando bicentenário com desfiles militares e comícios por todo o país, estamos vivenciando algo inédito.

Senti esse clima no final de semana ao circular pelas ruas de São Paulo, agasalhado até o nariz, depois de dias confinado em casa pelo frio cada vez mais intenso do inverno, com a pandemia ainda infectando e matando muita gente.

Não vi nenhum carro com adesivo de candidato, nem bandeiras de partidos e distribuição de panfletos nas esquinas, ninguém vestido com alguma roupa vermelha, a cor proibida pela polarização política. Nada de carros de som, passeatas, carreatas ou caminhadas, como se via em outras campanhas, só motociatas do presidente. Nem parece que vai ter eleição daqui a 4 domingos.

Reinava no ar aquela calmaria que costuma anteceder as grandes tempestades.

O motivo desse receio coletivo tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro, o presidente da República.

No ano passado, neste mesmo dia, seus seguidores ameaçaram invadir o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional com grandes caminhões do agronegócio estacionados na Esplanada dos Ministérios, enquanto o presidente no palanque chamava um ministro do STF de "canalha" e prometia não cumprir mais suas decisões. Que eu me lembre, ninguém foi preso.

Em São Paulo, lia-se numa enorme faixa desfraldada na avenida Paulista tomada por uma multidão de fanáticos:

"07/09/2021 - Legitimamos presidente Bolsonaro a acionar as Forças Armadas p/expurgar o comunismo do Brasil". Qual comunismo?, ainda que mal me pergunte.

Este ano, o capitão convidou a turma a levar tratores e colheitadeiras para desfilar na Esplanada junto com as tropas. No sábado, em discurso de campanha no Rio Grande do Sul, numa feira agropecuária, Bolsonaro chamou o mesmo ministro, Alexandre de Moraes, hoje presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de "vagabundo".

Nos últimos dias, o presidente tinha prometido aos seus aliados do Centrão que não atacaria as urnas eletrônicas nem os ministros neste 7 de Setembro, mas como é difícil acreditar no que ele fala, o colunista Lauro Jardim, no Globo, pergunta sobre qual Bolsonaro estará no 7 de Setembro.

"Faltam dois dias para o 7 de setembro, mas não o 7 de Setembro tradicional, que deveria ser de comemoração do Dia da Independência, mas aquele que teve o seu marco zero no ano passado, quando Bolsonaro fez ameaças golpistas num ato na Avenida Paulista.

E, apesar de todos os esforços para baixar a temperatura, resta uma dúvida entre os integrantes do primeiro escalão do governo e de ministros do STF quanto à postura de Bolsonaro na manifestação marcada para esta quarta-feira. Ele vai se controlar ou vai aloprar diante de uma multidão de apoiadores esperada para comparecer à orla de Copacabana?". Eu não saberia dar a resposta.

Sim, Bolsonaro transferiu o tradicional desfile militar do centro da cidade no Rio de Janeiro para exibições dos militares nos ares e nos mares da praia, com navios, aviões e tiros de canhão disparados do Forte de Copacabana, onde está sendo montado o palanque do megacomício do "Dia da Virada", como é chamado no QG da campanha. Tudo junto e misturado.

Na sexta-feira, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro enviou ofício aos comandantes da área pedindo explicações sobre a participação de militares num ato político-eleitoral e deu prazo de 48 horas, que vence hoje, para receber as respostas (ver na coluna anterior).

Nas redes sociais da milícia digital bolsonarista, comandada pelo filho Carluxo 02, que reabriu o Gabinete do Ódio em Brasília, circulam cartazes com frases como "fora, comunistas", "fora, STF" e "fora, Lula", junto a pedidos para que Bolsonaro "acione as Forças Armadas", "limpe o STF", "acabe com o comunismo" e "faça o saneamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal".

Neste clima, é natural que o cidadão comum evite discussões e receie participar de manifestações políticas fora dos arraiais governistas.

Brasília se prepara, não para uma festa, como seria de se esperar, mas para uma guerra sem quartel. Todos os órgãos de segurança da Capital Federal foram acionados em alerta máximo.

Núcleos de inteligência avaliam ameaças a ministros, prédios oficiais e possíveis organizações durante os atos. É esperada alta adesão aos atos _ um dos termômetros usados é a ocupação hoteleira, que já está em 100%. Até a localização dos ministros será um mistério. Por motivos de segurança, não será revelado onde cada um dos ministros ficará no feriado, informa Carolina Brígido aqui no UOL.

Para assistir ao desfile, todos terão que passar por revista com detecção de metais. A Tropa de Choque da PM desta vez será mobilizada logo cedo e contará com drones. Um protesto das oposições está previsto para acontecer em volta da Torre de TV, a 2,8 quilômetros da Esplanada dos Ministérios.

Por falar em oposição, um dos raros líderes políticos a se manifestar até agora sobre esses preparativos cívico-militares do 7 de Setembro foi o ex-governador do Maranhão, Flávio Dino, candidato ao Senado pelo PSB, que postou no Twitter na manhã desta segunda-feira:

"Aproxima-se o 7 de Setembro, data magna da nossa Pátria. É repugnante que as nossas Forças Armadas sejam transformadas em claque de comício eleitoral de governante de ocasião. Será uma mácula na sua história e uma gigantesca ilegalidade. Isso ocorrerá?".

Independência ou morte? Só saberemos na hora porque, neste Brasil atormentado de 2022, com quase 700 mil mortes na pandemia, fora os que estão morrendo de fome ou de bala, tudo é absolutamente imprevisível. Tudo pode acontecer, ou nada. Será um dia histórico, sem dúvida, pois o que estará em jogo é o futuro da nossa democracia.

Vida que segue.

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