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OPINIÃO

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Bolsonaro lembra 1964, quer extirpar Lula da vida pública, mas golpe flopou

Hang ganha lugar de destaque no palanque e acompanha desfile ao lado de Bolsonaro - Reprodução/TV Brasil
Hang ganha lugar de destaque no palanque e acompanha desfile ao lado de Bolsonaro Imagem: Reprodução/TV Brasil

Colunista do UOL

08/09/2022 12h19

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Ao longo do 7 de Setembro, em que sequestrou o Dia da Pátria para promover comícios cívico-militares da sua campanha à reeleição, duas falas de Bolsonaro passaram quase despercebidas, diante das muitas barbaridades que desfilou e pronunciou nos palanques, desafiando as leis, o protocolo, o Poder Judiciário, o decoro, a liturgia do cargo e a civilidade, para se autoproclamar "imbrochável". Mais uma vez, o presidente pautou a imprensa.

Logo cedo, no café da manhã com autoridades e familiares no Palácio da Alvorada, ao recordar marcos históricos no Bicentenário da Independência, Bolsonaro ameaçou novamente a democracia, como tem feito desde a sua posse. Depois de citar o Golpe de 1964, disse que agora a "história pode se repetir". Como assim?

À tarde, montado num trio elétrico do pastor Silas Malafaia, diante de impassíveis militares que abrilhantaram seu comício no Rio, o capitão mirou no seu principal adversário na eleição, que lidera todas as pesquisas:

"Comparem o Brasil com os países da América do Sul, comparem com a Venezuela. O que esses países têm em comum? São amigos do 9 dedos que disputa a eleição no Brasil. Não é voltar apenas na cena do crime. Esse tipo de gente tem que ser extirpado da vida pública.".

É a mesma ameaça que fez na campanha de 2018, no Acre, quando falou que iria "metralhar a petralhada". Ainda não chegou a tanto, mas eliminar os opositores que se colocam no seu caminho virou uma obsessão diante das dificuldades de vencê-los nas urnas.

Para mostrar que estava disposto a tudo, no dia em que partiu para o "tudo ou nada" do "agora ou nunca", transformou o palanque oficial num puxadinho particular, como se estivesse no "cercadinho" do Alvorada.

Deu logo um chega para lá no presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, para instalar em seu lugar o periquito de pirata Luciano Hang, numa afronta ao Supremo Tribunal Federal, onde ele é investigado junto com outros empresários por atos antidemocráticos. O vice-presidente Hamilton Mourão, que também deveria estar a seu lado, foi escanteado para um canto do palanque.

Os chefes dos outros Poderes da República simplesmente ignoraram a festa bolsonarista, já sabendo o que os esperava. Além de Rebelo de Sousa, os únicos representantes estrangeiros que vieram para as comemorações foram os presidentes de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, mostrando o isolamento interno e externo de Bolsonaro.

Diante da arquibancada ocupada por funcionários públicos convocados pelo governo, postou-se uma claque para xingar Lula de "ladrão". Faixas escritas em inglês pediam para Bolsonaro fechar o STF, prender os ministros e promover uma intervenção militar.

Diante da multidão reunida na Esplanada dos Ministérios, desfilaram também pelotões de igrejas cristãs e tratores do agronegócio, duas das principais bases eleitorais do presidente, além de alunos das escolas cívico-militares criadas no governo Bolsonaro.

No segundo ato do desfile, o presidente subiu num carro de som, abraçou e beijou a primeira-dama Michelle, transformada na sua principal aposta eleitoral, e a chamou de "princesa" o tempo todo, enquanto ele falava, ela ficava acenando para populares. A pajelança federal me fez lembrar das festas paroquiais no interior.

De lá, o casal partiu para a apoteose na praia de Copacabana, com direito a motociata, demonstrações de navios da Marinha e de aviões da FAB, um cortejo de jet-ski no mar, tiros de canhão, uma farra patriótica.

Empinado no alto do trio elétrico alugado por R$ 36 mil pelo pastor Silas Malafaia, ao lado do palanque oficial, Bolsonaro fez o discurso mais inflamado do dia. Em lugar de atacar o Supremo Tribunal Federal, como fez em 2021, desta vez o presidente foi direto na jugular do seu maior inimigo do momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o único que pode impedir sua reeleição e, por isso, deve ser "extirpado" da vida pública.

Se no começo do dia Bolsonaro ainda sonhava em reeditar 1964, ao final, apesar das multidões reunidas em Brasília, Rio e São Paulo, deve ter chegado a uma triste conclusão: o novo golpe flopou.

Mas o bolsonarismo em marcha mostrou força para sobreviver a uma eventual derrota em outubro.

Vida que segue.