Topo

Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um mês depois da única visita da rainha ao Brasil, o país entrava no AI-5

Rainha Elizabeth entrega troféu ao rei  Pelé no Maracanã durante visita ao Brasil em 1968: o encontro das realezas  - Arquivo Nacional
Rainha Elizabeth entrega troféu ao rei Pelé no Maracanã durante visita ao Brasil em 1968: o encontro das realezas Imagem: Arquivo Nacional

Colunista do UOL

08/09/2022 15h59Atualizada em 08/09/2022 16h28

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Vivíamos tempos sombrios, naquele começo de novembro de 1968, quando a rainha Elizabeth desembarcou no Recife para a primeira e única visita de um monarca britânico ao Brasil. Foi uma festa bonita a sua passagem pelo país, um respiro em meio às intempéries políticas que o país vivia no auge da ditadura militar.

Repórter do Estadão, fui para lá dias antes, com a missão de mostrar os preparativos da cidade para receber a ilustre visita. Recife tomou um banho de loja, como se costumava dizer na época. O Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, ganhou pintura nova, as ruas por onde ela passaria foram lavadas, as guias das sarjetas pintadas de branco, até as árvores foram podadas.

O avião VC-10 da Real Força Aérea Britânica, aterrissou às 16h15 do dia primeiro de novembro no aeroporto dos Guararapes, onde o seu marido, o príncipe Philip, já a aguardava, vindo do México, depois de assistir aos Jogos Olímpicos.

O cortejo real circulou pelas ruas do Recife até o palácio, onde foram recepcionados pelo governador Nilo Coelho, e personalidades como Gilberto Freyre, o autor de "Casa Grande e Senzala", o arcebispo de Olinda, Dom Hélder Câmara, e Marco Maciel, futuro vice-presidente da República no governo de Fernando Henrique Cardoso. Havia 4 mil policiais nas ruas e mais de 400 repórteres brasileiros, norte-americanos e europeus acompanhando a visita. Aos 42 anos, a simpatia de Elizabeth contagiou os recifenses. Mais de 200 mil pessoas foram às ruas ver a passagem da rainha Elizabeth pela cidade.

Lembro-me que, pouco depois da chegada da rainha, um curto-circuito apagou todas as luzes do palácio, o que não tirou o bom humor do casal real. Afinal, eles tinham acabado de chegar ao chamado Terceiro Mundo.

"Recife recebe uma rainha sóbria", foi o título que deram à minha matéria no dia seguinte no Estadão, o que achei até engraçado. Queriam o quê? Que ela chegasse pulando, cantando e dançando?

O imprevisto do apagão antecipou a partida deles para as 18h30 no iate real Britannia, rumo a Salvador, na Bahia, onde visitariam muitos museus e igrejas.

Numa delas, em visita fechada à imprensa, resolvei arriscar e, não sei como, consegui entrar na igreja e me postar num banco atrás do casal, enquanto eles rezavam. Só aí me dei conta de que não adiantava nada estar ali porque não falava inglês. Arrisquei falar meu alemão, eles estranharam um pouco, mas foram simpáticos e gentis e me falaram algumas palavras, o que garantiu minha matéria no dia seguinte.

Nos 11 dias de viagem pelo Brasil por seis cidades, eles passaram também por

  • Brasília, onde foram recepcionados pelo general Costa e Silva;
  • São Paulo, onde inauguraram o Masp (Museu de Arte Moderna);
  • Campinas, onde andaram a cavalo na Estância Santa Eudóxia e conheceram o Instituto Agronômico;
  • e o Rio de Janeiro, onde lançaram a pedra fundamental da construção da ponte Rio-Niterói.

No Maracanã, assistiram a um jogo de futebol entre as seleções paulista e carioca, em que houve um encontro da realeza britânica com o rei Pelé, o monarca brasileiro, a quem a rainha entregou um troféu.

No dia 11, Elizabeth e Philip embarcaram rumo ao Chile. Pouco mais de um mês depois, a 13 de dezembro, militares armados entraram na redação do Estadão para instalar a censura prévia.

Naquela noite, que duraria até 1985, o Brasil entrava no quinto ato da ditadura militar, que não queria dizer seu nome. E até hoje tem gente, como o presidente Jair Bolsonaro, que nega, como fez ainda hoje com estudantes de Brasília, que um dia ela tenha existido.