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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os dois Brasis que emergiram das urnas revelam nossas profundas diferenças

Lula ganha em todo o NE; Bolsonaro domina Sul e Centro-Oeste - Arte/UOL
Lula ganha em todo o NE; Bolsonaro domina Sul e Centro-Oeste Imagem: Arte/UOL

Colunista do UOL

03/10/2022 14h54Atualizada em 03/10/2022 15h54

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Nem feio nem bonito; nem melhor nem pior; nem certo nem errado: são apenas dois países com visões de mundo e valores muito diferentes, obrigados a conviver sob o mesmo teto, com a mesma moeda e a mesma Constituição.

Se você pegar o novo mapa político do Brasil que emergiu das eleições de domingo, vai ver que eles estão separados até geograficamente: a metade de cima pintada de vermelho e a metade de baixo de azul.

E nem é tão novo assim esse desenho, mas a cada eleição mais se acentuam os contrastes, com fronteiras nítidas entre o Norte/Nordeste e o Sul/Sudeste, a parte mais rica e a parte mais pobre, os pretos e os brancos, as mulheres e os homens, os jovens e os velhos, os católicos e os evangélicos, os brasileiros do campo e os das cidades e suas respectivas periferias.

Dentro das margens de erro, há diferentes tons de azul e de vermelho. Por vezes, as cores até se misturam ou se diluem, o que leva a erros projetados nos retratos dos institutos de pesquisa _ até porque, o último censo demográfico é de 2010, quando ambos os Brasis eram bem diferentes e as milícias digitais ainda estavam engatinhando.

De lá para cá, em diferentes momentos, vivemos momentos de plena democracia ou de democracia ameaçada; de pleno emprego ou desemprego galopante; de avanços ou recuos civilizatórios; de conquistas ou derrotas, tudo isso em meio a golpes e pandemias, secas e enchentes, queimadas e temporais, fome e fartura, misérias e riquezas extremas, dos dois lados das fronteiras.

É como se estivéssemos numa guerra permanente entre o passado, que não passa, e o futuro, que nunca chega.

Em comum, há apenas o fato de termos nascido no mesmo país, sermos todos sobreviventes. Com tantas migrações internas, em busca de uma vida melhor, não importa a nossa origem, mas o destino que leva sudestinos para o lado de cima ou nordestinos para o lado de baixo.

Ninguém é mais ou menos brasileiro. Somos, ao mesmo tempo, pacíficos e violentos, tolerantes e intransigentes, muito inteligentes e muito burros, muito cultos e muito ignorantes, crentes e incréus, mocinhos e bandidos, caipiras e lordes, sabujos e altivos, europeus e africanos, ingênuos e safados, verdadeiras metamorfoses ambulantes.

Quem somos nós, afinal?

Ao tentar definir esses perfis tão complexos e mutantes, que dependem do dia e da hora, da maré alta ou da maré baixa, os institutos de pesquisa muitas vezes derrapam, e não é por maldade, mas simplesmente porque o nosso retrato de hoje não é o mesmo da semana que vem.

Não dá para dizer que um dos Brasis é conservador, branco, masculino, rico, abstêmio e evangélico, e o outro, católico, feminino, pobre, cachaceiro e progressista, por mais que misturem religião com política e confundam Jesus com Genésio. É tudo isso, e não é nada disso.

Fico com pena dos jornalistas estrangeiros que chegam aos nossos Brasis para cobrir as eleições presidenciais e querem saber que país é o nosso, que tipo de gente aqui habita, quais são as suas características principais. Se nem nós sabemos, como eles vão querer nos definir?

Como podem esses dois Brasis ter que escolher entre Lula e Bolsonaro, dois seres humanos diametralmente opostos, com trajetórias de vida e propostas tão diferentes, que nem parecem ter nascido no mesmo lugar?

Nada há em comum nestes dois brasileiros que vão disputar o segundo turno daqui a apenas 27 dias, para decidir o nosso futuro, escolher em qual país queremos viver.

Gostaria de saber o que leva sua excelência, o eleitor, a escolher um ou outro.

Lembro-me do meu diálogo com um motorista de táxi em 1989, na véspera do segundo turno, quando lhe perguntei em quem ele iria votar.

"Vou votar no Collor!", respondeu de pronto.

Ao querer saber o motivo, não acreditei no que ouvi.

"No primeiro turno, votei nesse Lula, mas como ele ainda não fez nada pra mim, agora vou votar no outro pra ver se as coisas melhoram...".

Desta vez, o mesmo Lula venceu o primeiro turno, com 6 milhões de votos de vantagem sobre Bolsonaro, mas parece que aconteceu o contrário, a julgar pelos comentários nas redes sociais e em algumas colunas na imprensa em que o atual presidente agora virou favorito no segundo turno. Por qual motivo?

Vai saber. Não deve ser fácil fazer pesquisas eleitorais nestes nossos Brasis. Eu já desisti de arriscar qualquer previsão.

"É melhor esperar o resultado para fazer qualquer prognóstico", já ensinava o sábio Marco Maciel, vice de FHC, em outros tempos menos conflituosos, quando PSDB e PT se revezavam no poder.

Vida que segue.