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OPINIÃO

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79% do eleitorado apoia democracia mas metade vota em Bolsonaro: como pode?

Ato em defesa da democracia em frente ao Fórum de Justiça Federal na Avenida Paulista em São Paulo (SP)  - Marina Uezima/Futura Press/Folhapress
Ato em defesa da democracia em frente ao Fórum de Justiça Federal na Avenida Paulista em São Paulo (SP) Imagem: Marina Uezima/Futura Press/Folhapress

Colunista do UOL

21/10/2022 13h28

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É confortador saber que, apesar de todos os achaques que sofreu nos últimos anos, a democracia brasileira é apoiada por 79% dos eleitores, um recorde, como informa o Datafolha hoje.

Em compensação, assusta saber que quase metade desse eleitorado pretende votar em Jair Bolsonaro, segundo as últimas pesquisas.

Eram 75% em agosto os que diziam ser a democracia sempre melhor do que qualquer forma de governo, o recorde anterior. E mais: 80% dos eleitores do capitão concordam com esta afirmação.

Como explicar esta gritante contradição? Não devem estar ligando o nome à pessoa.

Não é possível que, depois de quase quatro anos do pior governo que o Brasil já teve na sua história, ainda tenha algum democrata vivente disposto a votar em Bolsonaro, escolhido nas pesquisas por 4 entre cada 10 eleitores.

Das duas uma: ou não sabem o que é democracia ou não conhecem a obra do atual presidente da República.

Em 2018, quando ele surpreendeu o mundo ao ser eleito, ainda dava para justificar o desconhecimento que o eleitorado tinha do candidato, um obscuro deputado do baixo clero da Câmara, que se notabilizou por fazer discursos em defesa da ditadura militar e das torturas, apenas um tipo folclórico que frequentava programas populares na televisão e falava os maiores absurdos.

Sem apresentar nenhum programa de governo durante a campanha, fazendo arminha com os dedos nos comícios e ameaçando metralhar os adversários, Bolsonaro era o homem errado, na hora errada, que acabou dando certo para um Brasil que descobriu a extrema-direita e mostrou a sua cara.

Apesar dos seus sete mandatos de deputado, sem ter feito nada de útil para o país, ele se apresentou como um candidato anti-sistema, "contra tudo isso que está aí", que prometia implantar a "nova política", sem explicar do que se tratava.

Desde o dia da sua posse, deixou claro que teria dificuldades em governar dentro dos limites da Constituição num regime democrático. No segundo ano de mandato, já tinha cometido tantas barbaridades que estava ameaçado de perder o cargo. Para se salvar, substituiu os comandantes militares e resolveu se aliar ao Centrão, a melhor expressão do que havia de pior na "velha política".

Em seguida, para se segurar na cadeira e preparar o terreno para a reeleição, entregou a chave do cofre para a tropa de choque do Centrão, que passou a administrar o "orçamento secreto" e as emendas de relator, o maior esquema institucionalizado de compra de parlamentares e de votos, como estamos vendo agora na campanha eleitoral.

São bilhões e bilhões de reais, ninguém sabe exatamente quantos, porque a farra ainda não terminou, distribuídos livremente nos currais eleitorais, sem nenhum controle. Em outra ponta do esquema, Bolsonaro passou a controlar os órgãos de controle que poderiam frear a derrama de dinheiro público.

Quando estava por baixo nas pesquisas de opinião, ameaçou as instituições com um discurso golpista, colocando em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e lançando suspeitas sobre a Justiça Eleitoral, com o apoio de setores militares.

Ao passar para o segundo turno, esqueceu as urnas e passou a atacar e ameaçar os institutos de pesquisa, que apontavam para uma derrota certa, antes que os caminhões de dinheiro das PECs do "pacote kamikaze" ou "das bondades", chegassem aos bolsos dos eleitores e fizessem o efeito esperado, como está acontecendo só agora, na antevéspera da eleição, passando como uma motoniveladora por cima da legislação eleitoral, das leis de responsabilidade fiscal, do teto de gastos e dos limites impostos pela Constituição.

Bolsonaro e a democracia são inconciliáveis, não dá para colocar os dois na mesma frase. Não dá para defender, ao mesmo tempo, o bolsonarismo e a democracia. Por isso, não consigo entender as conclusões deste Datafolha. Isso precisa ser melhor estudado no futuro.

Como não conseguiu desdemocratizar o país, aceita agora as regras do jogo, mas só até ser reeleito pelo voto no novo figurino "paz e amor" dos marqueteiros de plantão. Caso contrário, ou mesmo se ganhar, voltará ao combate permanente às instituições, com força redobrada, para completar o seu serviço de destruição dos alicerces democráticos, das políticas públicas, do meio ambiente, da educação e da saúde, e do que mais encontrar pela frente.

A ofensiva autoritária e corrupta do bolsonarismo em marcha chegou a tal ponto de degradação que hoje até o venerando Estadão, quem diria, defendeu o voto em Lula, para vocês verem a que ponto chegamos.

Nos últimos dias, Bolsonaro até amenizou os discursos golpistas e os ataques à Justiça Eleitoral, que ficaram para um plano B, caso não consiga ultrapassar, por bem ou por mal, o ex-presidente Lula até o dia da eleição, literalmente a qualquer preço.

Ganhando ou perdendo, cada voto no capitão terá sido o mais caro da história das nossas eleições. Vamos passar muito tempo ainda para pagar essa conta, hipotecando nosso futuro.

Faltam só 9 dias.

Vida que segue.