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OPINIÃO

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Sinal trocado: esquerda resgata a "amarelinha" e golpistas vaiam a seleção

Com a "amaelinha", Alckmin comemora o primeiro gol do Brasil com as equipes de transição de governo no CCBB, em Brasília - Magno Romero
Com a "amaelinha", Alckmin comemora o primeiro gol do Brasil com as equipes de transição de governo no CCBB, em Brasília Imagem: Magno Romero

Colunista do UOL

25/11/2022 13h02

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Até o dia da eleição, a camisa amarela da seleção brasileira era o uniforme oficial dos bolsonaristas desde a campanha de 2018, e os adversários tinham vergonha de usá-la para não serem confundidos. Isso vem desde os protestos antipetistas de 2015 e 2016 pelo impeachment de Dilma Rousseff nas ondas da Lava Jato, quando ainda ninguém falava em Bolsonaro.

Com a derrota do capitão nas urnas, e a proximidade da estreia do Brasil na Copa do Qatar, algo mudou radicalmente nas últimas semanas.

Já em seus comícios durante a campanha, a esquerda resgatou os símbolos nacionais que haviam sido apropriados pelos seguidores de Bolsonaro. O Hino Nacional passou a ser tocado nos eventos da oposição, a Bandeira Nacional voltou aos palanques pelas mãos de Lula e camisas amarelas se misturavam às vermelhas do PT, sem medo de ser feliz.

Na quinta-feira, o dia da estreia da seleção nacional no Qatar, os sinais estavam trocados. Não se sabe que camiseta Bolsonaro usou para assistir ao jogo contra a Sérvia, de camisa vermelha, porque dessa vez ele não apareceu em público, mas Lula e Janja, na casa deles, e Alckmin e as equipes do governo de transição, em Brasília, estavam todos vestidos com a "amarelinha" tão celebrada por Zagallo.

Nos acampamentos golpistas em frente aos quartéis, como mostraram reportagens do UOL, a torcida de Bolsonaro não quis saber do jogo, vaiou a seleção brasileira e preferiu ficar rezando, com terços nas mãos e a bandeira jogada nas costas, para pedir intervenção militar.

Para completar, dentro de campo, despontou um novo ídolo da torcida no lugar do bolsonarista Neymar, que saiu de campo machucado, e viu o time melhorar sem ele, com a molecada de Tite a mil por hora, tendo à frente um tal de Richarlison, o Pombo, um herói improvável, meio desengonçado, que marcou os dois gols da vitória na sua estreia em Copa do Mundo, o segundo deles, antológico, com um acrobático voleio de meia bicicleta.

Richarlison é um dos poucos não-bolsonaristas do elenco, que vem ganhando destaque também fora de campo, com suas preocupações sociais e posições políticas firmes em defesa do povo mais pobre, lembrando suas origens no interior do Espírito Santo, numa casa em que dormiam todos no mesmo quarto e chovia mais dentro do que fora (ver matéria aqui no UOL).

De quebra, por se identificar com a maioria da galera canarinha, sem ostentar riqueza e com humildade, ele poderá reconciliar o time da CBF com a torcida, que vinha perdendo a paixão pela "amarelinha" desde aqueles trágicos 7 a 1 na derrota para a Alemanha, no Mineirão, em 2014.

Antes disso, qualquer amistoso da seleção fazia o país parar, mas nos últimos tempos foi aumentando o desinteresse pelo time de Tite, que já não lotava estádios, situação que pode ser revertida nesta Copa do Qatar, em que o Brasil desponta como um dos grandes favoritos ao título.

Faz 20 anos, desde a conquista do penta, não víamos nossa seleção jogar um futebol ao mesmo tempo tão competitivo e bonito de se ver, com uma penca de jovens e abusados talentos, graças à ousadia do velho técnico, que deixou seu teimoso conservadorismo de lado e resolveu apostar no futuro.

Como a maioria dos seus colegas, Richarlison jogou pouco tempo no Brasil como profissional antes de ir para a Europa, onde atuam 23 dos 26 atletas do atual elenco.

Com a interminável crise financeira e de gestão que abala a maioria dos grandes clubes brasileiros, nos últimos anos o Brasil tornou-se um país exportador de pé-de-obra, os jovens talentos indo embora cada vez mais cedo, o que ajudou a romper os vínculos afetivos da seleção com a sua torcida. O mesmo aconteceu em outras áreas da sociedade diante da decadência do país e da falta de oportunidades profissionais.

A apropriação indébita dos símbolos nacionais pelo bolsonarismo, por sua vez, levou também a polarização política para os estádios, fazendo da CBF um puxadinho do governo, com um presidente da República que quer plagiar o general Emilio Médici, de tão triste lembrança.

Como desta vez a eleição veio antes da Copa, com a vitória da oposição, o que já mudou radicalmente o clima no país, não há mais motivos para misturar seleção com o governo de turno. A conquista do hexa no Qatar pode ajudar a fazer o país confiar novamente no seu taco, e criar um ambiente propício para a reconciliação e reconstrução nacional, com a chegada das festas de fim de ano e as apostas de uma vida renovada, em 2023.

Ganhando ou perdendo, a "amarelinha" já voltou a ser de todos nós, seus legítimos donos.

Estamos virando a página na política e no futebol, com o fim de um ciclo e o começo de outro.

Até a vitória!

Vida que segue.