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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Imprensa de mau humor: como sobreviver em meio a tanta notícia negativa

Mãe explicando mau humor matinal ao marido - Reprodução/Facebook
Mãe explicando mau humor matinal ao marido Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

13/05/2023 11h53

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Em meio à enxurrada de desgraças diárias despejadas sobre nós, alguns estão deixando para ler as notícias negativas apenas à noite, para não estragar seu dia, mas correm o risco de perder o sono, algo que afeta sua saúde mental.

Outros preferem ler o noticiário logo de manhã, para reunir forças e enfrentar mais um dia bem informados, mas sempre há o perigo de haver o efeito contrário, ou seja, entregarem-se ao desânimo.

E há aqueles que simplesmente desistiram de saber o que está acontecendo fora das suas bolhas, não querem mais ver TV nem ler jornais, e se desligaram das redes sociais.

Em qual dessas categorias você se enquadra? Ou é daqueles que passam o dia inteiro ao celular para acompanhar o mundo online e não ser surpreendido pelos fatos?

Quando a gente tem dúvidas sobre um assunto que não dominamos, como a alma humana e a cabeça dos brasileiros, antes de escrever convém falar com um especialista.

Por sugestão do editor Irineu Machado, procurei o psicanalista Christian Dunker, 56, também colunista aqui do UOL, e professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Entre outros livros, ele é autor de "Uma Biografia da Depressão" e "Paixão da Ignorância".

Na verdade, não fiz bem uma entrevista, mas uma consulta, pois o professor é um estudioso dos efeitos do noticiário das pequenas e grandes tragédias cotidianas sobre a saúde mental dos indivíduos cada vez mais expostos à depressão, a começar pelos próprios jornalistas. De tanto repetirmos que nada presta, nada vai dar certo, nada tem mais jeito, isso acaba se autorrealizando.

"Estamos vindo de um longo período em que muitas pessoas desistiram de acompanhar o noticiário, em função de uma monotonia de assuntos negativos, sem solução à vista, o que causou um efeito deletério no humor das pessoas. O que mudou do ano passado para cá foi a pandemia começando a acabar e a chegada das eleições, que catalisaram os desejos das pessoas no sentido de que uma vida seria possível."

Com a troca de governo, em meio a uma grande festa popular, renovaram-se as esperanças de que poderíamos voltar a ter uma vida minimamente normal, mas esse clima favorável durou pouco, diante da intentona golpista do 8 de Janeiro e da divulgação dos retratos do genocídio dos yanomamis, abandonados sem comida e envenenados pelos garimpos clandestinos na Amazônia.

À medida em que foram sendo abertas as tampas das cloacas em que o bolsonarismo afundou o país, houve uma reversão de expectativas, com o noticiário político cedendo espaço ao noticiário jurídico-policial, alimentado por novas denúncias diárias sobre os malfeitos do governo passado.

"Mais uma vez, isso deu a sensação de que nada estava sendo feito, os problemas não são enfrentados para valer e demoram para ser resolvidos, o que gera um mal-estar, uma indignação difusa. Diante de tragédias repetidas, como a violência nas escolas, é preciso canalizar esta indignação com projetos para que elas não se repitam", pensa Dunker em voz alta.

Vem daí um sentimento de melancolia, de que não vai acontecer nada, em que às vezes se sobrevaloriza a questão jurídica em detrimento da rápida responsabilização dos culpados. "As pessoas costumam dizer: é preciso botar logo todos atrás das grades e tirar deles o dinheiro que roubaram, mas isso não é tão simples, e existem outras formas de punição para tirá-los do convívio social".

Como Bolsonaro, o gerador da maioria das notícias negativas, um dia vai passar, mas o bolsonarismo fica, Dunker defende que se estabeleça alguma forma de diálogo com o que a pesquisadora Ester Solano chama de "bolsonaristas nutella", em oposição aos bolsonaristas-raiz, fascistas.

Para enfrentar o debate público, o psicanalista defende que a esquerda invista no bom humor, como vem fazendo o ministro Flávio Dino, da Justiça, nos confrontos com os parlamentares da oposição. "Se a gente fala em depressão, já começa perdendo,.. O humor pode ser, ao mesmo tempo, uma forma de proteção e também de ataque".

Os antibolsonaristas mais radicais defendem que a imprensa simplesmente deixe de falar do ex-presidente e sua curriola, mas como isso não é possível, pois os fatos não deixam, o psicanalista sugere que para sair do marasmo atual os jornalistas aprofundem mais a narrativa das suas matérias, aproximando a vida real da vida institucional, e não fiquem só no registro dos fatos no estilo "boletim de ocorrência" (a noticia em pílulas"). Um bom exemplo de jornalismo com compromisso social são as colunas do meu colega Leonardo Sakamoto.

"É preciso explicar melhor o que está acontecendo, contextualizando e relativizando os fatos, sem deixar de apontar caminhos para a superação deste mal-estar generalizado provocado pela simples leitura das notícias", diz o professor.

Em outras palavras, acrescento eu, se mostramos que os nossos problemas e sentimentos de impotência diante da realidade não são individuais, mas coletivos, que não estamos sozinhos nos nossos dilemas, ficará mais fácil visualizarmos a volta do país a uma vida normal, ainda durante a nossa existência. Para isso, é preciso ousar mais, cada um no seu quadrado.

Mas, se ficarmos apenas no arroz com feijão, sem nenhuma forma de engajamento, repetindo sempre as mesmas fórmulas, sem correr riscos, os resultados também não serão muito diferentes.

As principais vítimas do jornalismo de mau humor somos nós mesmos.

Vida que segue.