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OPINIÃO

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De repente, sem celular: sensação de ser desligado do mundo tem um lado bom

Colunista do UOL

16/05/2023 12h40

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Nunca tinha passado antes por essa experiência: no meio da noite, meu celular caiu no chão e, ao amanhecer, estava mudo, inerte, inútil. Faleceu.

De repente, me desligaram do mundo e, por alguns instantes, fiquei perdido no meu quarto sem saber o que fazer. Nós não estamos mais acostumados a ficar um dia sem celular, nem meia hora. Como vou agora avisar as pessoas com quem tinha compromissos marcados que estou literalmente fora do ar.

"Pede um celular emprestado, pô, e liga, não faz drama", diria um pragmático amigo, mas isso não resolveria meu problema. Acontece que todos os meus contatos estão naquele aparelhinho tão prático. Faz muito tempo não preciso mais me lembrar de números para discar. Nem o meu sei mais de cabeça. Sem uso, meu cérebro apagou essa parte da sua memória. Só me dei conta disso agora.

"Sorte tua!", reagiu um colega de redação na reunião matinal de pauta do UOL, quando eu esperava um mínimo de solidariedade diante de tão infausto acontecimento. Jornalistas agora são assim, céticos, sem compaixão; de tudo fazem graça, até das maiores desgraças.

Com o passar das horas, no entanto, vi que ele não deixava de ter razão. Na minha condição de sem-celular, fico pelo menos um tempo sem receber más notícias (as boas sempre acabam chegando, de alguma forma).

Fico livre de receber ligações de telemarketing, convites para fazer palestras, dar entrevistas para estudantes, participar de programas de televisão, receber cobranças em geral e broncas de filhas, queixas dos amigos por achaques da saúde ou da previdência, tão comuns nesta etapa da vida.

Em compensação, perco aquele que se tornou meu principal instrumento de trabalho, ao lado do computador. Como vou fazer entrevistas agora, cultivar fontes, saber das últimas fofocas e fake news, combinar almoços e jantares, me informar das novidades literárias e até das boas notícias, que também existem, apesar de tudo?

Aquele que inventou o celular, esse gênio desconhecido, não pode imaginar a falta que ele nos faz quando apaga. Ficamos mal (ou bem) acostumados, dependendo do ponto de vista, mas o certo é que já não conseguimos mais viver sem ele à mão. Um lado bom é que, sem os flagrantes feitos pelo vídeo dos celulares, muitos crimes contra a Pátria jamais seriam esclarecidos.

Quem deve estar maldizendo a existência dos celulares, além dos vândalos de 8 de Janeiro, é o atormentado capitão Bolsonaro, ao lado de seu fiel ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, que viram seus segredos de Estado e de alcova entregues nas mãos bisbilhoteiras dos agentes da Polícia Federal, que estão neste momento vasculhando as lambanças da trupe de trapalhões.

Eles dariam a vida para que seus celulares ficassem mudos para sempre. Mas eu daria graças a todos os deuses se o meu ressuscitasse pelo menos por um momento, nem que fosse só para pedir ajuda a algum parente ou amigo para conseguir um outro, o mais rápido possível, pois já estou ficando mais angustiado do que os investigados pela PF, por outros motivos.

Que será de importante que estou perdendo este tempo todo fora do ar? Como conseguíamos sobreviver antes sem celular?

Vida que segue.

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