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Desmonte do governo: Centrão quer acabar com política ambiental e indígena

Lula e Marina, em foto de setembro, durante a campanha eleitoral; ela foi ministra de Meio Ambiente dos dois primeiros governos dele e agora estão de novo em rota de colisão - Reuters
Lula e Marina, em foto de setembro, durante a campanha eleitoral; ela foi ministra de Meio Ambiente dos dois primeiros governos dele e agora estão de novo em rota de colisão Imagem: Reuters

Colunista do UOL

25/05/2023 12h45

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"Ganhou o governo do presidente Lula e estão querendo instituir a governança do governo que perdeu, que é um Ministério do Meio Ambiente que não cuida do meio ambiente e um Ministério dos Povos Indígenas que não cuida dos povos indígenas".

(Marina Silva, ainda ministra do Meio Ambiente, sob cerco cerrado, em audiência na Câmara dos Deputados).

*

Apesar de acompanhar a política nacional há quase 60 anos, nunca tinha ouvido falar no deputado federal Isnaldo Bulhões (MDB-AL).

Marina Silva, o mundo inteiro sabe quem é, mas quem está ganhando a peleja até aqui é um parlamentar do baixo clero da Câmara, ligado ao Centrão de Arthur Lira, com uma vasta ficha corrida na Justiça.

De repente, enquanto a pátria amada andava distraída com a votação do novo arcabouço fiscal, na mesma semana surge em cena o até então obscuro deputado Bulhões, investindo-se de amplos poderes, para simplesmente detonar a política ambiental e indígena que o governo Lula queria implantar, justamente no momento em que os olhos do mundo estão voltados para a sobrevivência da Amazônia, ameaçada pela invasão do crime organizado, estimulada até outro dia pelo poder central. .

Relator da Comissão Especial do Congresso que trata da Medida Provisória da reestruturação dos ministérios preparada durante o governo de transição, Isnaldo Bulhões (quem?) conseguiu aprovar, por 15 votos a favor e 3 contra, inclusive com o apoio de parte da base desaliada, uma nova versão do texto que, na prática, coloca abaixo todas as mudanças previstas pelo novo governo.

A MP vai agora ser analisada pelo plenário da Câmara e, se o texto original não for aprovado até o dia 1º de junho, na próxima quarta-feira, vai caducar, perde a validade, e o Brasil voltaria a ser governado com a estrutura deixada no final do governo de Jair Bolsonaro, sem os novos ministérios criados pelo governo Lula. Ou seja, seria como se não tivesse havido uma eleição presidencial em 30 de outubro, que derrotou o governo anterior.

O que os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas perdem se o texto votado na comissão especial for aprovado pelo plenário:

* Meio Ambiente perde a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) que registra todas as propriedades rurais do país. Em audiência na Câmara, Marina afirmou que a retirada do CAR representa "um prejuízo enorme", e advertiu o presidente Lula:

"Tudo bem, Lula, você está dizendo que vai fazer isso e vai fazer aquilo, mas a sua lei não permite. As estruturas foram mudadas. A estrutura do seu governo não é essa para a qual você ganhou as eleições. É a estrutura do governo que perdeu, e isso vai fechar todas as nossas portas".

* O Ministério dos Povos Indígenas perde a sua principal razão de ser: cuidar dos processos de demarcação de terras indígenas, que passa para o Ministério da Justiça. Por coincidência, ou não, na mesma semana a Câmara aprovou urgência para a votação do marco temporal das terras indígenas, um tema vital para os povos originários, que também está para ser julgado, faz muito tempo, no Supremo Tribunal Federal.

Várias outras mudanças na atual estrutura dos ministérios também foram aprovadas em outras áreas do vitais do governo, como tirar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) da Casa Civil, para onde foi remanejada pelo presidente Lula, e devolvê-la ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional) aos cuidados dos militares.

Não são só a política ambiental e indígena que estão ameaçadas por esse cavalo de pau legislativo, mas o próprio governo Lula, que pode sofrer um verdadeiro desmonte, apenas cinco meses após a posse,

Em nota, a Coordenação do Observatório do Clima, que reúne mais de 90 entidades socioambientais, adverte que a alteração da Medida Provisória "num Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema direita" não surpreende, mas sim a atitude do governo Lula que "nem sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios".

"Jair Bolsonaro passou, mas a boiada ficou, e com sócios inusitados", prossegue a nota. "Ao rifar a agenda socioambiental no gabinete, o governo Lula emula seu antecessor, que iniciou o desmonte do MMA justamente por retirar-lhe atribuições".

Parece até que, atordoado com o cerco feito pelo Congresso para aprovar o arcabouço fiscal, na falta de articulação política, o governo acabou cedendo à pressão dos ruralistas do Centrão em outras áreas, abrindo novos confrontos com os setores mais civilizados da sociedade, que apoiaram a eleição de Lula, e têm entre suas prioridades a defesa do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, para a preservação da Amazônia.

Vida que segue.