Topo

Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Há 27 anos no ar, cardápio envelheceu e a GloboNews vive crise existencial

Renata Vasconcelos: da estreia na GloboNews à bancada do Jornal Nacional, 27 anos se passaram: é hora de renovar o cardápio do canal de notícias - Reprodução/Instagram
Renata Vasconcelos: da estreia na GloboNews à bancada do Jornal Nacional, 27 anos se passaram: é hora de renovar o cardápio do canal de notícias Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

14/06/2023 11h52Atualizada em 14/06/2023 18h15

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Quando a GloboNews entrou no ar pela primeira vez, no dia 15 de outubro de 1996, às 21 horas, foi a grande novidade do telejornalismo brasileiro em décadas.

E depois disso não apareceu nada de realmente novo no campo das emissoras de notícias 24 horas. Aos 27 anos, o cardápio original de Alice Maria e Letícia Muhana, as duas diretoras que criaram a GloboNews e a dirigiram nos primeiros tempos, envelheceu, não surpreende mais a freguesia.

A grade fixa consistia nos telejornais "Em Cima da Hora", exibidos de hora em hora, com programas de reportagens e entrevistas especiais entre um e outro, que aos poucos foram sendo limados para dar lugar aos comentaristas de estúdio.

Pode-se dizer que hoje o canal de notícias da Globo vive uma crise existencial, operando no piloto automático.

As mudanças introduzidas nos últimos anos, esticando a duração de jornais/programas de estúdio para até três horas de duração, quebraram o ritmo frenético de uma emissora de notícias, muitas delas repetidas durante todo o dia, e deram lugar ao desfile de comentaristas que falam quase todos as mesmas coisas, como um jogral.

Bons repórteres foram promovidos a apresentadores e/ou comentaristas, que quase não saem mais dos estúdios para fazer matérias na rua. Os novos que entraram limitam-se a fazer links ao vivo, setorizados principalmente em Brasília, no Palácio do Planalto, nos tribunais, no Congresso e na Polícia Federal. Com isso, a pauta foi ficando cada vez mais oficialesca, chapa-branca, com muitas informações em off e quase nada de reportagens com começo, meio e fim, priorizando política e economia.

O corte de despesas com pessoal, que vem sendo feito sistematicamente pela Globo-mãe, demitindo as estrelas mais antigas de salários mais altos, atingiu também a área técnica, em que profissionais experientes deram lugar a novos profissionais sem a mesma qualidade.

A apresentadora Cecília Flesch, demitida na terça-feira após 17 anos de casa, não estava entre essas estrelas mais caras. Mas foi sumariamente cortada após fazer duras críticas à firma no podcast "É Noia Minha?".

Flesch era uma espécie de stand-by permanente, a coringa convocada para cobrir férias e folgas de outros profissionais, possuía fama de encrenqueira e talvez tenha desabafado por isso mesmo. Mais recentemente, apresentava, visivelmente contrariada, o "Em Ponto", telejornal de baixa audiência, das 6 às 9 da manhã.

No "podcast", ela disse sem meias palavras que o canal "está um saco" e que, nos bastidores, a GloboNews é chamada de "RivoNews", em referência ao ansiolítico Rivotril (ver mais informações em "Splash"). Se eles próprios pensam isso, não é de estranhar que a audiência tenha estacionado em níveis baixos ultimamente.

Cecília não deixa de ter uma certa razão em suas críticas, a julgar pela comentários de telespectadores nas redes sociais sobre a mesmice dos programas de estúdio e a chatice crônica de alguns comentaristas amestrados, que costumam ter sempre as mesmas opiniões, com receio de contrariar a política editorial da empresa. Em vez de demitir a moça, não teria sido melhor chamá-la para uma conversa e refletir um pouco sobre o que ela pensa?

Para parecer mais jovem, não basta a GloboNews pintar os cabelos brancos e mudar os figurinos da emissora. O problema não está na aparência, mas no conteúdo da pauta, que pouco muda de um dia para outro, assim como o elenco de entrevistados, um moto contínuo exasperante de velhas novidades.

É preciso dar um choque de criatividade na moçada, tirar cadeiras e poltronas dos estúdios com ar condicionado, e botar a tropa na rua para caçar novidades, variar as fontes e fazer reportagens capazes de prender a atenção dos velhos assinantes como eu, desde o primeiro dia.

Se o internauta/telespectador já sabe o que vai encontrar no seu telejornal é porque alguma engrenagem falhou, pois jornalismo é contar uma novidade, um fato inédito, algo inesperado, surpreendente. Com a concorrência das novas mídias full-time online, não dá para bobear.

É verdade, também, que depois das fortes emoções da pandemia e do bolsonarismo em marcha, com a vida voltando aos poucos à normalidade, diminuiu o apelo para ver notícias toda hora e assim alimentar a audiência. Por isso mesmo, é preciso buscar novos assuntos, em outros lugares da cidade e do país, botar no ar quem nunca apareceu na telinha, algo que só o "Profissão Repórter" está fazendo hoje em dia e, de vez em quando, o "Globo Repórter".

Não tem segredo. Ainda não inventaram nada melhor do que uma boa reportagem e uma entrevista inesperada para cativar a freguesia e dar a ela bons assuntos para comentar na mesa de bar depois do serviço ou no almoço de domingo com a família. Alice Maria e Letícia Muhana sabiam disso e ajudaram a formar do ponto zero uma geração de novos e bons profissionais.

Basta lembrar que Renata Vasconcelos, primeira apresentadora a entrar no ar na GloboNews, hoje está no Jornal Nacional, ao lado de William Bonner.

Vida que segue.

.