Topo

Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Micareta jurídica de Gilmar Mendes com o poder em Lisboa paralisa Brasília

Colunista do UOL

27/06/2023 11h41

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Assim como o Carnaval e as festas juninas, o Fórum Jurídico de Lisboa já faz parte do calendário de feriados do poder. Promovido todos os anos pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, embora dure só três dias (de segunda a quarta), esvazia Brasília por uma semana porque ninguém é de ferro, e suas excelências costumam aproveitar a viagem boca-livre a Portugal para dar uma esticada na folga.

As questões urgentes que afligem o país, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, que esperem sentadas. Para tudo, não se vota nada no Congresso.

Lá em Lisboa estão, no momento, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, os presidentes da Câmara, do Senado e do Tribunal de Contas da União, meia dúzia de ministros do governo e uma penca de magistrados de outros tribunais, os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, ou seja, o "crème de la crème" dos três poderes.

A micareta jurídica de Gilmar Mendes já está em sua 11ª edição, sob o pomposo tema "Governança e Constitucionalidade Digital", seja lá o que isso quer dizer, mas até hoje ninguém procurou saber quanto custa e quem banca esta nobre pajelança internacional.

Quem me chamou a atenção para esse megaevento foi um colega aqui do UOL, o nosso brilhante jurista Walter Maierovictch, em sua coluna de ontem sob o título "Gilmar Mendes é o João Doria de toga", em que aborda as questões legais da promoção do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), fundado e dirigido pelo ministro do STF.

Vão dizer que estou com inveja das comilanças lusitanas e dos bons vinhos da terrinha que rolam nestas ocasiões - e estou mesmo... -, mas me assaltam algumas dúvidas de outra ordem.

# Por que em Portugal e não no Brasil, se a grande maioria dos temas e dos participantes dos debates são daqui? Não ficaria mais barato?

# A imprensa brasileira costuma dedicar ampla cobertura ao fórum, mas lá na Europa ninguém dá a menor bola. O que as nossas excelências têm a dizer lá que não poderiam nos dizer aqui mesmo?

# Copatrocinado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ), não se sabe qual a participação de cada uma dessas instituições no pagamento das despesas, que não são poucas (passagens, hotéis, refeições, trasbordos, etc.) nem qual é o custo total do evento. Quem não é autoridade paga quanto para assistir aos debates? Isso cobre as despesas gerais?

# O convite para as autoridades brasileiras garante a BLG (Boca Livre Geral) ou cada uma tem que arcar com suas próprias despesas (com recursos próprios ou da repartição onde trabalham?). Tem-se conhecimento de alguém que tenha tirado licença não remunerada, sem recebimento de de diárias de viagem, para participar do encontro? Duvido. Afinal, estão todos lá, oficialmente, "a serviço".

# Qual a contribuição concreta dada até hoje pelos fóruns do IDP para tornar o sistema jurídico do país menos moroso e mais acessível aos pagadores de impostos no Brasil, uma preocupação de toda gente.

Posso dar um exemplo pessoal: recentemente, ganhei, em ultima instância, depois de tramitar por mais de dez anos, um processo contra o INSS para revisão de aposentadoria. Mas só serei indenizado, com os famosos precatórios, se e quando o governo federal prover os recursos. Em média, segundo me disse o advogado, isso não leva menos de três anos. É justo isso para quem já tem 75 anos e trabalha há 60?

Diz a apresentação do IDP sobre o Fórum Jurídico de Lisboa deste ano:

"Acadêmicos, juristas e representantes da sociedade civil organizada do Brasil e da Europa estarão reunidos na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), em Portugal, para dialogar sobre desafios, visões e diferentes aplicações de tecnologias como fator estratégico de governança para gerar conhecimento e inovação, de modo a alcançar melhorias na qualidade de vida da sociedade".

Folgo em saber, mas será que, entre as "aplicações das novas tecnologias como fator estratégico de governança", está incluída alguma fórmula para pagar os direitos dos aposentados ainda em vida?

Vida que segue.