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Morte de idosos acima de 80 anos bate recorde em 2022 por gripe e covid
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O número de idosos a partir de 80 anos que morreram nos meses de janeiro e fevereiro no país em 2022 foi ainda mais alto do que em 2021, quando o Brasil registrou recorde de óbitos —tanto na população em geral como nesta faixa etária. Mais vulneráveis, estes idosos foram mais vítimas de doenças respiratórias, desta vez não só provocadas pelo novo coronavírus, mas também pela influenza, de acordo com especialistas ouvidos pelo UOL.
Segundo dados obtidos com exclusividade pela coluna no portal da transparência do Sistema de Registro Civil, no primeiro bimestre deste ano houve 84,2 mil óbitos de idosos a partir de 80 anos por causas naturais —número 13,9% superior ao de 2021. As mortes naturais excluem os óbitos por causas externas (que são assassinatos, suicídios e acidentes).
Nos dois primeiros meses de 2022, o país enfrentou o pico da terceira onda da covid-19 pela variante ômicron e ainda encarou uma epidemia fora de época de gripe. A dupla epidemia ocorreu em um momento em que o SUS (Sistema Único de Saúde) estava com número de leitos e unidades reduzidas.
Total de mortes de idosos a partir de 80 anos no 1º bimestre:
- 2020 - 61.644
- 2021 - 73.950 (+19,9%)
- 2022 - 84.251 (+13,9 e +36,7% em relação a 2020)
Oficialmente, a covid-19 causou 13,4 mil das mortes registradas entre janeiro e fevereiro deste ano, 21% abaixo das 16,9 mil do mesmo período de 2021. Não há informações específicas sobre gripe.
Os dados deste ano, porém, chamam a atenção porque todas as outras causas registradas no portal tiveram alta, tanto em relação ao ano passado, como ao 1º bimestre de 2020 (quando o país ainda não tinha óbito registrado).
O destaque está nas mortes por causas respiratórias, que concentraram as maiores altas este ano. Somente as pneumonias mataram 62% mais idosos nessa faixa etária no bimestre inicial deste ano. Já a SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) saltou 56%.
Por que nossos idosos morreram?
Segundo especialistas, os dados indicam claramente os efeitos da dupla epidemia, ao mesmo tempo em que revela uma subnotificação do agente causador dos óbitos -em especial da covid-19.
Para entender a contabilidade dos óbitos, é preciso entender como são feitos os atestados.
As mortes registradas por SRAG, septicemia (que é a infecção generalizada), pneumonia e insuficiência respiratória são as chamadas causas secundárias de óbitos, ou seja, ocorrem em decorrência de uma patologia principal (como covid ou influenza, por exemplo).
Na falta da confirmação do causador original da doença, os médicos atestam somente a causa secundária como responsável pelo óbito.
"O excesso de pneumonia em 2022 poderia ser atribuído à covid ou à H3N2, por exemplo", explica o epidemiologista Antônio Lima Neto, professor da Unifor (Universidade de Fortaleza) com pós-doutorado na Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard (EUA).
Antes da explosão de gripe, muitos diagnósticos de covid-19 foram fechados por critério clínico. Porém, com dois vírus causando sintomas muitas vezes semelhantes, em caso de óbito, o médico sem exame laboratorial do paciente preenche o atestado apenas com a causa secundária.
No caso da gripe e da covid-19, Lima Neto explica que além de causarem pneumonia, também facilitam a colonização bacteriana —o que gera a septicemia. "Ou seja, em tese existiu uma subnotificação maior [em 2022] da doença causadora", completa.
Questionado pela coluna, o Ministério da Saúde informou que não tem o número de óbitos por influenza deste ano, com exceção daqueles classificados como SRAG (que é apenas uma das manifestações possíveis da gripe grave). No caso, eles apontam 330 óbitos de idosos com 80 anos ou mais por gripe.
Ômicron leve, mas letal
O epidemiologista explica ainda que alguns pacientes que deram entrada em hospitais por problemas de saúde diferentes da covid-19, como crises de hipertensão ou diabetes, faziam o teste na unidade e descobriam que tinham o coronavírus.
Mas mesmo positivos, eles estavam com sintomatologia não associada à covid. Como você não consegue fazer uma investigação em todos os casos, quando o paciente morre, a orientação é se coloque a causa-base. E no caso da ômicron, alguns casos foram classificados como se fossem incidentais.
Antônio Lima Neto, epidemiologista
O pneumologista Ricardo Martins, do Hospital Universitário de Brasília e professor da UnB (Universidade de Brasília) concorda que não há como desassociar a covid-19 da alta de mortes nessa faixa etária. "Parte destes óbitos por doença respiratória pode ser atribuído às complicações da infecção pelo SARS-CoV-2, sem dúvida", afirma.
Mas ao mesmo tempo, ele também levanta uma outra hipótese. "Há que se levar em consideração que muitas pessoas deixaram de tratar doenças pré-diagnosticadas por evitarem procurar assistência médica na pandemia —o que pode ter contribuído para o agravamento de suas doenças", diz.
No caso da Influenza, ele conta que a epidemia fora de hora se tornou decisiva para aumentar as internações por doenças respiratórias. Além disso, os casos de gripe foram prioritariamente da cepa H3N2, uma variante que não estava na vacina aplicada na campanha de 2021. Ou seja, mesmo imunizado, o idoso tinha apenas uma proteção parcial.
"O aumento de casos H3N2 resultou no alerta, ainda do final do ano passado, de aumento de SRAG. Quando a ômicron começou, esse alerta continuou lá em cima, mas por causa da terceira onda. E aí houve um momento de coincidência, de interseção das doenças, e vários pacientes tiveram os dois vírus", afirma o geriatra Marco Túlio Cintra, vice-presidente da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).
Cintra explica que a gripe sempre foi um evento de impacto negativo na saúde e internação de pessoas a partir de 80 anos. e que o primeiro bimestre 2022 teve especificidades. "Observou-se uma antecipação da epidemia de gripe este ano e tivemos uma baixa adesão à vacinação em 2021."
Ele ressalta que as demais causas como septicemia ou insuficiência respiratória, podem ser fruto de complicações durante o período de internação de idosos, especialmente nos mais frágeis.
As comorbidades se tornam um fator ainda mais preocupante. "Uma pessoa diabética com 80 anos, por exemplo, talvez tenha diabetes há 40 anos, então essa comorbidade tem mais complicações e se tornam mais graves. Ou seja, ela predispõe mais riscos, e não é por acaso que tem maior mortalidade", diz Cintra.
Por fim, ele lembra que no caso dos idosos mais velhos, a vacina se torna ainda mais fundamental. "Há um grande número de pessoas no país que não se vacinaram ou que estão com ciclo incompleto. E a gente sabe que o risco era muito maior de ter uma manifestação grave nesse grupo. Por isso é crucial que todos completem o ciclo com as doses de reforço", finaliza.
Questionado pela coluna sobre ações destinadas a esse público, o Ministério da Saúde informou que inicia a campanha de vacinação contra a gripe no dia 4 de abril, "com a primeira etapa destinada a pessoas acima de 60 anos e trabalhadores da saúde".
"A pasta também recomenda uma segunda dose de reforço da vacina Covid-19 para idosos com 80 anos ou mais. A partir de agora, estados e municípios já podem começar essa etapa da campanha nacional de vacinação para esse público. A estimativa é que 4,6 milhões de brasileiros sejam imunizados com a segunda dose de reforço", diz o ministério.
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