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Fundação Palmares passa a exigir até email para certificar quilombolas
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A FCP (Fundação Cultural Palmares) publicou uma portaria no último dia 31 de março, mudando as regras para emissão de certidões de autodeclaração para comunidades quilombolas. As novas medidas, que entram em vigor em 2 de maio, dificultam o reconhecimento dos locais onde vivem os descendentes de escravizados no país.
Uma das exigências é a de que o processo seja feito e acompanhado por meio eletrônico, incluindo o cadastro de um email do responsável pelo grupo. Outro ponto é a necessidade de enviar dados e documentos históricos. Além disso, abre a possibilidade de a FCP solicitar documentos complementares por meio de edital publicado no site do órgão e no DOU (Diário Oficial da União).
No entanto, a maioria das 6.000 comunidades quilombolas existentes não possuem acesso à internet para receber as notificações ou consultar as páginas oficiais, segundo dados da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Há casos em que o acesso à rede só existe porque foi instalado por conta própria pela comunidade.
Em nota, a FCP alega que as mudanças atendem orientações apontadas da CGU (Controladoria-Geral da União) e do TCU (Tribunal de Contas da União) de 2021. A única alteração no documento, segundo a fundação, foi incluir modelos que ajudam as comunidades a fazerem a autodeclaração.
"Sobre nós, sem nos escutar"
A portaria, que cria o Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos, foi publicada na edição do DOU do último dia 4, assinada pelo presidente substituto, Marco Antônio Evangelista Barbosa —que assumiu o cargo após a saída de Sergio Camargo .
"Mais uma vez o Estado debate e publica uma norma sobre nós, quilombolas, sem nos escutar", diz nota da Conaq. A entidade cita que o novo sistema "burocratizou desnecessariamente o procedimento de expedição das certidões de autorreconhecimento".
Ainda de acordo com a Conaq, a regra fere a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina a consulta dos quilombolas sempre que qualquer medida administrativa tiver a possibilidade de afetar as comunidades.
Certificação e direitos
Criada em 1988, a FCP tem como um de seus papéis emitir a certidão das comunidades quilombolas e sua inscrição no cadastro geral. Os estudos para definição da área são feitos, em um segundo momento, pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em um processo que pode se arrastar por anos e, mesmo concluído, não encerra a luta dos povos por seus direitos.
São consideradas comunidades remanescentes de quilombo "os grupos étnicos raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com formas de resistência à opressão histórica sofrida". Apenas 3.271 das 6.000 comunidades do país têm certificações de quilombolas, segundo a FCP.
"Essa norma afeta diretamente essas outras mais de 2 mil no seu direito ao reconhecimento"
Antônio Crioulo, um dos coordenadores executivos da Conaq
Mudanças
Segundo a Conaq, a nova regra vai substituir o normativo da portaria 98, de 26 de novembro de 2007, que não trazia essas exigências.
A partir de agora, para dar entrada no requerimento é necessário "no mínimo" o "endereço eletrônico (e-mail) e telefone para contato". A partir de então haverá um prazo para que em até 180 dias para que FCP certifique a comunidade. O período é considerado curto pela Conaq.
Além disso, a nova norma prevê que a comunidade que não responder a um pedido de novas informações em até 30 dias será notificada por edital (no site da Palmares e no DOU), "sob pena de arquivamento do pedido".
"Esse prazo de 30 dias para se manifestar não é coerente. Não há tempo hábil para responder. E como elas vão acompanhar os processos pelo site ou DOU? A grande maioria das comunidades —principalmente as não certificadas— sofrem pela falta de acesso à internet justamente por não estarem regulares. As lideranças não têm qualificação tecnológica para ter acesso a essas informações", explica Antônio Crioulo.
Outro ponto que chamam atenção é que, além da FCP, a portaria diz que "poderá, a seu critério ou para atendimento de diligência de outros órgãos, realizar visita técnica na comunidade para esclarecer dúvidas". Ou seja, passou a incluir outros órgãos —que podem questionar a declaração, observa a Conaq.
A visita servirá para esclarecer, entre outras dúvidas, as relativas ao que o documento chama de "histórico inconsistente". O documento, no entanto, não indica quais são os elementos técnicos que indiquem a possível inconsistência, que pode resultar na negativa da certidão.
Relatório necessário
O texto também aponta como necessário um "relato da trajetória comum do grupo com a história da comunidade preferencialmente instruída com dados, documentos ou informações".
Mas a exigência de um relatório detalhado é inviável para povos pobres em zonas rurais, afirma José Carlos Galiza, também coordenador executivo da Conaq. "Eles deixam subentendido que se trata de um estudo antropológico, e as comunidades não têm condições de fazer isso. Cabe ao governo financiar esse processo, sem contar que isso seria um trabalho relacionado ao Incra", diz.
Segundo Galiza, o processo não só afeta a certificação, "mas interfere diretamente no processo de existência das nossas comunidades".
Um dos pontos que chama a atenção do coordenador é que a portaria fala que não cabe à FCP dirimir conflitos internos nas comunidades, sem detalhar quais seriam esses conflitos.
Nós entendemos que os conflitos ocorrem pela não regularização fundiária, que aumenta o conflito com com fazendeiros, posseiros, grileiros e empresas que se instalam em nossos territórios. Entendemos que cabe à FCP agir em defesa das nossas comunidades.
José Carlos Galiza, Conaq
FCP diz que atendeu CGU e TCU
A FCP diz que as mudanças atendem "orientações apontadas pelo Relatório de Avaliação Compartilhada CGU-TCU [Controladoria-Geral da União e Tribunal de Contas da União], realizado no exercício de 2021, no sentido de aperfeiçoar o processo de certificação".
"Ressalta-se ainda que o procedimento para a expedição da Certidão da comunidade não foi alterado, desde que esteja completa a documentação. A única alteração em relação à Portaria anterior é que foram acrescentados modelos para ajudar a comunidade a fazer a autodeclaração", diz.
Sobre a citação por edital no site, o órgão diz que isso é necessário porque há processos parados há mais de duas décadas.
"A publicidade no Sítio Eletrônico da Fundação Cultural Palmares alcançará um público que o ofício ou o correio não alcançam. Atualmente, há processos inconclusos na Fundação Cultural Palmares desde 2001, sem a manifestação da comunidade requerente".
Por fim, sobre o prazo de 180 dias para certificação, ela diz que o período evita "que os solicitantes fiquem durante um longo prazo aguardando análise de documentação ou visita técnica para a emissão da certidão de autodefinição, o que resultará em um ganho para a comunidade".
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