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FNDE: 75% das obras paradas de escolas e creches estão no Norte e Nordeste
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Três em cada quatro obras de escolas ou creches financiadas pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e que estão paralisadas pelo país são das regiões Norte e Nordeste. O dado consta no relatório "Tá de pé", da ONG Transparência Brasil.
O documento completo será divulgado na íntegra hoje, mas foi fornecido em primeira mão para a coluna.
O levantamento revela que das 2.485 obras lançadas desde 2007 e que estão paradas no Brasil, 1.183 estão no Nordeste e 676, no Norte. Juntas, as duas regiões concentram 74,8% do total de obras que não andam no país.
Procurado pelo UOL, o FNDE não se pronunciou sobre atrasos, paralisações e cancelamentos de obras, nem sobre a concentração nas duas regiões. Responsável pela execução de políticas educacionais do MEC (Ministério da Educação), o órgão vem sendo investigado por suspeitas de irregularidades na liberação de verbas, A crise política na pasta envolve relatos de prefeitos que apontam pedidos de propina de pastores que atuariam em um suposto gabinete paralelo.
Abandono de obras
O relatório "Tá de pé" leva em conta dois programas federais: o PAR (Programa de Ações Articuladas) e o Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil). Ao todo, 15.732 obras de novas creches e escolas foram aprovadas pelos programas entre 2007 e 2022.
As obras são bancadas pelo FNDE, mas devem ser realizadas por estados e municípios. A consulta do andamento foi feita com base no Simec (Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle), do FNDE.
Na análise por estados, há oito no Norte e Nordeste à frente da lista de obras paralisadas: Amapá, Tocantins, Pará, Sergipe, Maranhão, Rio Grande do Norte, Piauí e Rondônia.
O problema do abandono das obras pelo país é histórico. Desde 2016, a Transparência Brasil acompanha o andamento dessas obras e e divulga relatórios bienais. A cada levantamento, o número de novos atrasos, paralisações ou cancelamentos só aumenta.
As 15.732 obras financiadas pelo FNDE estão classificadas desta forma:
- Concluídas - 8.121 (52%)
- Canceladas - 2.706 (17%)
- Paralisadas - 2.485 (16%)
- Em execução - 1.843 (12%)
- Não iniciadas - 577 (4%)
Entre 2021 e março de 2022, por exemplo, segundo o novo relatório, 299 obras foram paralisadas pelo país. O motivo para cerca de metade das interrupções não foi divulgado, segundo a ONG.
Causas para paralisação de obras:
- Sem informação - 46%
- Contrato rescindido - 18%
- Abandono da empresa - 13%
- Irregularidades na gestão anterior - 4%
- Medidas administrativas - 3%
- Outros - 16%
"A paralisação de obras de creches e escolas indica ineficiência da gestão pública e acarreta perdas financeiras para o estado", diz trecho do relatório. O texto afirma ainda que "a grande proporção de obras paralisadas evidencia graves falhas na execução do programa nacional de infraestrutura escolar."
Além das obras paralisadas, o relatório aponta que, entre 2021 e março deste ano, 133 obras foram canceladas.
Há também as obras atrasadas. Do total de 2.530 que deveriam ter sido entregues até março de 2022, 72% estão paralisadas —ou 1.839.
Os projetos executivos das obras financiadas pelo FNDE têm duração entre quatro e treze meses —a depender do tipo do projeto aprovado.
Para a Transparência Brasil, a padronização dos projetos ajuda a dar celeridade nas entregas, mas "não leva em conta ajustes necessários a cada localidade específica, o que por vezes precisa ser financiado pelo governo local após a conclusão da obra".
O documento aponta que falta transparência em muitos casos. "Essas omissões [em relação ao relatório de 2020] permanecem até hoje, com 1.765 obras sem endereço e 276 sem informações sobre o número do convênio", diz a ONG no relatório.
Para a entidade, os problemas de obras atrasadas e paralisadas não são novos, no entanto, "não há notícias de que o governo federal tenha adotado medidas para contorná-los e garantir que as obras já iniciadas sejam priorizadas e concluídas", diz.
Os números corroboram neste sentido: não houve mudanças significativas na quantidade de obras atrasadas ou paralisadas desde o final de 2020. Por outro lado, há fartas notícias do uso criminoso do MEC e FNDE para liberação de recursos de obras em troca de propina.
Relatório Tá de Pé
Pobreza de cidades ajuda a entender
Os piores desempenhos no Nordeste e Norte podem estar atrelados à falta de recursos técnicos e humanos das prefeituras da região, diz o diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino.
"Os locais que têm menos infraestrutura humana vão fazer projetos piores porque têm menos capacidade. Tem cidades que não tem engenheiros capazes de fazer um projeto básico, nem tem dinheiro para contratar uma empresa que faça isso", afirma.
Segundo o relatório, entre as obras paralisadas no país, 94% eram tocadas por municípios.
Esses percalços têm a ver com projetos inadequados das prefeituras. Muitas vezes esses projetos são aprovados por ligações políticas, mas vão dar problemas porque serem malfeitos. E não é apenas no Norte e no Nordeste: falamos de cidades que têm menor desenvolvimento, menor renda e menor capacidade estatal.
Manoel Galdino, Transparência Brasil
A coluna consultou os dados do Simec e encontrou várias obras paradas ou canceladas pelo país, muitas delas com execução adiantada.
São muitos os exemplos. Em Barra do Choça (BA), por exemplo, a obra da creche para os bairros Ouro Verde e Primavera está parada. A última vistoria, feita em julho de 2019, mostra que a execução já estava em 62,3%, quando a empresa responsável abandonou a obra.
Algumas obras estavam quase prontas quando paralisadas. Em Capela do Alto (SP), a obra da área pública municipal parou quando estava 97% de execução.
As fotos da última vistoria, feita em dezembro de 2021, mostram que a estrutura já estava erguida quando o contrato foi rescindido. Dos 5,5 milhões previstos, R$ 4 milhões já foram pagos.
Para Manoel Galdino, o Proinfância é um programa crucial para que o país amplie unidades e consiga dar melhores condições estruturais aos estudantes, especialmente em tempos de pandemia.
"Esse programa é para aumentar a oferta de vagas de creches e escolas com a infraestrutura adequada. No contexto de pandemia —em que são necessários espaços ventilados, salas amplas, com acesso a água e esgoto— isso é ainda mais importante para garantir a segurança sanitária da comunidade escolar", destaca.
Sobre os dados do novo levantamento, ele diz que o objetivo dos programas seguem muito aquém do esperado, e que nada mudou em relação ao abandono de obras pelo país na atual gestão.
"Nos últimos três anos e meio, a dinâmica é a mesma: a gente tem obras atrasadas; canceladas sem nem saírem do papel, ou canceladas no meio da execução; obras paralisadas; e um percentual de obras concluídas muito baixo em relação ao que é planejado", completa.
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