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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Como a revolução que libertou PE em 1817 inspirou a Independência do Brasil

Bandeira de Pernambuco passou a ter três estrelas que representavam também Paraíba e Rio Grande do Norte  - Biblioteca Nacional
Bandeira de Pernambuco passou a ter três estrelas que representavam também Paraíba e Rio Grande do Norte Imagem: Biblioteca Nacional

Colunista do UOL

05/09/2022 04h00

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Antes de o Brasil viver a Independência de Portugal, há 200 anos, o país viveu uma experiência única, cinco anos antes, em Pernambuco. Após uma revolta local, a então capitania conseguiu a liberdade do país europeu por 74 dias.

A Revolução Pernambucana ficou marcada na história como a única efetiva que conseguiu romper com Portugal e se tornou um marco para aqueles que alimentavam a ideia separatista naquela época, influenciando os acordos que resultariam no 7 de Setembro de 1822.

O novo país foi soberano por pouco tempo, esmagado por tropas a mando do reinado de dom João 6º. A principal consequência, na prática, do fim do país pernambucano foi a criação da Capitania de Alagoas —antes uma comarca de Pernambuco—, que foi desmembrada como castigo aos pernambucanos e porque a elite alagoana se posicionou a favor do reino.

Mas a Revolução Pernambucana também ficou marcada por outros aspectos.

Segundo o doutor em história George Cabral, o movimento de 1817 contava com articulações em outras capitanias do Brasil, como Bahia e Rio de Janeiro, e tinha conexões com a maçonaria no Reino Unido, em Portugal e na França.

Mas ele afirma que a experiência revolucionária de 1817 mostrou uma possibilidade de organização e também se tornou uma experiência traumática.

"A repressão foi muito forte, e o temor do descontrole social das camadas subalternizadas, sobretudo dos escravizados, foi muito grande", diz ele, que é professor do Departamento de História da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Ele afirma que, para uma parcela dos agentes locais, o episódio anulou qualquer possibilidade de manter uma união com Portugal. "Uma parte dos que ficaram presos em Salvador se radicalizou politicamente e assumiram um perfil de ruptura com Portugal. Outros resolveram sair dessa seara revolucionária e aderiram à política pelas vias normais."

José Peregrino recusando a seu pai abandonar a causa republicana na Revolução de Pernambuco de 1817 - Biblioteca Nacional - Biblioteca Nacional
José Peregrino recusando a seu pai abandonar a causa republicana na Revolução de Pernambuco de 1817
Imagem: Biblioteca Nacional

Escravidão dividia as elites

Um ponto que dividia as elites na época era o temor com o fim da escravidão. Era um momento no mundo em que ideais iluministas se espalhavam e inspiravam outros movimentos, com a revolução haitiana poucos anos antes.

"Isso foi muito usado no discurso contra Gervásio Pires, quando ele presidiu a província. Havia um medo de se estabelecer uma república e das consequências que isso teria para a ordem escravocrata", relata.

"Parte dessa elite preferia opções mais conservadoras. E, depois, quiseram manter os laços com Portugal dentro de uma ordem constitucional ao Rio de Janeiro", completa Cabral.

Para Bruno Câmara, professor do curso de história da UPE (Universidade de Pernambuco), em Garanhuns (PE), a revolução contribuiu muito para o processo de Independência do Brasil.

De certa forma, articulou as elites pernambucanas contra as autoridades do Rio de Janeiro, e esse pessoal depois vai estar no processo de Independência, articulando com dom Pedro 1º."
Bruno Câmara, historiador

A independência brasileira não foi violenta e partiu de uma negociação entre as elites e dom Pedro 1º. "A grande questão das elites pernambucanas dizia respeito ao federalismo. Elas queriam que o país fosse mais autônomo no sentido de se autogovernar", afirma.

Vista da cidade de Recife tomada do Forte de São João Batista do Brum - Biblioteca Nacional - Biblioteca Nacional
Vista da cidade do Recife, tomada do Forte de São João Batista do Brum
Imagem: Biblioteca Nacional

Mas como houve a revolução?

Em artigo publicado na revista "Ciência e Cultura", da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), George Cabral escreve que o estopim ocorreu quando o então governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro recebeu denúncias e determinou a prisão de civis, militares e clérigos apontados como "cabeças" da conspiração.

"No momento de sua prisão, no Quartel de Artilharia, José de Barros Lima, o Leão Coroado, reagiu à ordem e matou o seu comandante, o Brigadeiro Barbosa. Os militares então saíram do quartel, libertaram os presos da Cadeia Pública e no Forte das Cinco Pontas e saíram no encalço do governador, que se refugiou no Forte do Brum, onde acabaria se rendendo", descreve.

Assim, no dia 7 de março, formou-se um governo provisório composto por cinco representantes entre comerciantes, militares, clérigos, magistrados e senhores de engenho.

No discurso após tomarem o poder, o padre João Ribeiro (um dos cinco indicados ao governo) afirmou que ali nascia um país.

Pernambuco [incluindo Alagoas, então comarca pernambucana, Paraíba e Rio Grande do Norte devem formar uma só república, [pois] estas províncias estão tão compenetradas e ligadas em identidade de interesses e relações, que não se podem separar."
Citação no livro "A Outra Independência", de Evaldo Cabral de Mello

Decreto que extingue o imposto sobre a carne verde em Pernambuco - Biblioteca Nacional - Biblioteca Nacional
Decreto que extingue o imposto sobre a carne verde em Pernambuco
Imagem: Biblioteca Nacional

Nem todos eram revolucionários

Segundo o professor Paulo Cadena, do curso de História da Unicap (Universidade Católica de Pernambuco) e pós-graduação da Unicap e da UFPE, não houve um pensamento único dos líderes da revolta, havendo grupos que queriam, na verdade, mais autonomia, e não uma separação.

"Os senhores de engenho estavam insatisfeitos desde a chegada de dom João 6º e da corte de Portugal ao Rio de Janeiro. Não estavam se sentindo próximos do rei. Sem se sentir abraçados, se revoltam para chamar atenção", afirma.

Já os comerciantes reclamavam da "questão dos impostos altíssimos que estavam chegando da corte para cá". "Eles classificavam isso como opressão", diz.

Clérigos também participaram do planejamento da revolução. "Esses, sim, tinham ideais claros revolucionários. Por isso muitas vezes ela foi chamada de revolução dos padres, porque eles estavam pensando na parte mais teórica. O padre João Ribeiro, por exemplo, sabia línguas como francês, falava com outros clérigos, e eles pensavam bem a revolução", diz.

A influência internacional ajudava a pensar na separação. "Temos a Revolução Francesa, o exemplo dos Estados Unidos, as revoltas nas Américas, isso tudo também estavam influenciando essas pessoas", cita.

Havia nos planos da revolução uma aliança prevista com oficiais franceses, exilados nos Estados Unidos após a derrota de Napoleão Bonaparte. Eles aceitaram se aliar ao então país pernambucano com uma condição: "Tão logo fosse possível, se buscariam meios para resgatar Bonaparte do exílio na distante ilha de Santa Helena".

"Os primeiros objetivos foram alcançados, mas, ao chegarem ao Brasil, os reforços enviados já encontraram a república derrotada", diz o artigo de George Cabral.

"Bênção das Bandeiras da Revolução de 1817", óleo sobre tela de Antônio Parreiras (data desconhecida)  - Arquivo Público do Recife - Arquivo Público do Recife
"Bênção das Bandeiras da Revolução de 1817", óleo sobre tela de Antônio Parreiras (data desconhecida)
Imagem: Arquivo Público do Recife

Derrota veio rápido

George Cabral afirma que o sonho libertário durou pouco, devido a falhas na organização militar e a contradições internas.

A resposta aos pernambucanos veio quando 2.500 homens saíram do Rio de Janeiro e se juntaram a combatentes da Bahia. A chegada da tropa fez muitos soldados desertarem imediatamente. Acuado, um grupo que não queria se render foi para Olinda. Embarcações enviadas do Rio também bloquearam o Recife.

Mas um boato também teria sido decisivo. "A simples menção à possibilidade de libertação dos escravos contribuiu para assustar grande parte da população, principalmente a elite, por estar comprometida até a alma com a escravidão", citam os historiadores Rubim Santos de Aquino, Francisco Roberval Mendes e André Dutra Boucinhas no livro "Pernambuco em Chamas".

Aos que lutaram, o reinado deu um duro recado, com as sentenças de condenação. Em uma delas, citada no livro, três líderes foram condenados à morte a serem dilacerados.

Depois de mortos, serão cortadas as mãos e decepadas as cabeças do 1° réu em Soledade, as mãos no quartel; a cabeça do segundo em Olinda, as mãos no quartel; e a cabeça do 3º em Itamaracá, e as mãos em Goiana. Os restos de seus cadáveres serão ligados às caudas de cavalos e arrastados até o cemitério."
Sentença de morte proferida em 10 de julho de 1817

Tela de Antônio Parreiras (1927) mostra a execução de líderes da Revolução Pernambucana, em 1817 - O Exército na História do Brasil/Reprodução - O Exército na História do Brasil/Reprodução
Tela de Antônio Parreiras (1927) mostra a execução de líderes da Revolução Pernambucana, em 1817
Imagem: O Exército na História do Brasil/Reprodução